Naquela casa, ultimamente, imperava um silêncio misterioso. A menina observava o movimento, o entrar e sair de dentro do quarto do irmãozinho doente. Vinham médicos (estes, sempre carregavam uma maleta e vestiam branco); vinham outras visitas (tias, primos e primas. Os adultos cheiravam à naftalina, e os menores, algo entre chiclete de frutas e tangerina). Todos entravam e saíam após alguns minutos, silenciosamente...
A menina quase não recebia nenhuma atenção, a não ser por algum adulto que, de vez em quando, passava-lhe a mão pelos cabelos.
Apenas a avó conversava com ela. Já muito idosa, ela tentava fazer com que a menina fizesse um pouco de silêncio - afinal, o irmãozinho precisava dormir - e procurava, como podia, substituir-lhe a mãe, ocupada nos cuidados com o menor. Para distraí-la, a avó contava muitas histórias. As duas viviam sentadas na calçada lá fora, entrando e saindo de mundos encantados, onde conheciam fadas, princesas, príncipes e bruxas malvadas - e nem tão malvadas. Às vezes, uma joaninha pousava ali perto, e imediatamente, a avó inventava alguma história sobre ela.
De repente, no meio de uma dessas histórias, a menina pergunta, de sopetão:
"Vó, o que é morrer?"
A velha senhora suspira, e tenta escolher bem as palavras:
"Bem, minha querida... todos nós nascemos, crescemos, daí nos casamos, temos filhos, depois netos... e a gente fica velhinho, velhinho... e depois, morre!"
Ela parece refletir por alguns instantes.
"Só gente velha morre?"
"Não, não... às vezes, gente nova também morre! Podem ficar doentes, ou sofrer algum acidente..."
"Mas... como é morrer?"
Não querendo mentir para a menina, mas também não pretendendo que ela pudesse compreender uma explicação exageradamente elaborada, a avó responde:
"Não sei, querida... alguns dizem que é como dormir para sempre."
"E nunca mais se acorda, vó?"
"É como eu já te disse, não sei. Tem gente que acha que a gente vai para um outro lugar; não com este corpo, mas com uma fumacinha que mora dentro da gente, chamada 'alma.' A alma sai do corpo quando a gente morre, e viaja para outro lugar."
A menina parece lembrar-se de alguma coisa de repente:
"Para o céu!" - Ela diz, apontando a imensidão azul. A avó concorda:
"Sim... para o céu."
"Mas... não tem gente que vira fantasma?"
A avó ri:
"Alguns dizem que sim... mas eu nunca vi nenhum, e você?"
"Eu não! E se eu visse, saía correndo!"
Ela parece ficar quieta por algum tempo, e se distrai, brincando de enfeitar as unhas compétalas de flores. A avó espera, pois conhece a neta, e sabe que ela terá mais perguntas. A menina olha para ela:
"Vó... quem morre primeiro, gente velha ou gente nova?"
"Ah... geralmente, gente velha."
"Mas então... a vó vai morrer antes de mim?"
"Espero que sim, querida!"
"E antes do meu irmãozinho?"
A menina vê uma sombra passar pelo rosto da avó.
"Não sei, meu bem... você sabe, seu irmãozinho está muito doente!"
"Ah... mas o Totó ficou muito doente um dia, mas depois, ficou bom! Meu irmão não vai ficar bom?"
A velha senhora enxuga uma lágrima furtiva.
"Espero que sim, meu bem... espero que sim..."
Dizendo isso, a avó abraça a menina, e as duas ficam assim, quietinhas, olhando o céu e adivinhando formas nas nuvens.
Enquanto isso, a menina pensa na vida. E enquanto pensa, ela vai crescendo, e compreende que viver ou morrer é apenas uma questão de estarmos vivos, pois não importa quantos anos alguém possa ter, ou caso seja ou não saudável; isso não determinará quem vai antes ou quem vai depois. Quem está doente, pode vir a curar-se, enquanto alguém que está saudável, pode acidentar-se e ir bem antes daquele que está se curando. O dia da morte é sempre um mistério, como misteriosos são os caminhos da vida.
Viver ou morrer são dois lados de uma mesma página, que ninguém sabe quando será virada. Por isso, tudo o que nos resta, é não pensar muito nisso, e deixar que o Vento de Deus decida quando virá-las. Se vivermos com intensidade, teremos vivido o bastante, e isso é o que importa.
Publicado em: 27/12/2010 13:36:02
Bacana!
ResponderExcluirMagnífica a lição de doçura e sabedoria que transmites no texto.
ResponderExcluirÉ confortante termos alguém pra responder nossas perguntas ou dizer que também não sabe, mas demonstrar sensibilidade e tato, quando nossa cabecinha está cheia de dúvidas.
bj