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terça-feira, 8 de maio de 2012

A ILHA DOS DRAGÕES






Era uma vez uma ilha distante, onde todos os habitantes possuíam, como animais de estimação, um dragão. Foi assim durante muitos e muitos anos, até que a população da ilha começou a crescer, e não havia alimentos suficientes para todos os dragões – que eram animais enormes, enormes – e estes passaram a tornar-se um tanto agressivos, ferindo os aldeões, alimentando-se do gado, tocando fogo nas casas e espantando os passarinhos.



Sendo assim, foi decretado pelos governantes que os dragões deveriam ser todos eliminados sem exceções, e substituídos por lindos cães Poodle branquinhos, branquinhos. Alguns aldeões acharam crueldade aquela forma de tratar os dragões que tinham sido seus fiéis animais de estimação durante tantos anos; assim, eles decidiram separar-se dos aldeões que concordavam com a matança. Formaram-se assim dois grupos: Nós e Eles.



O primeiro grupo – Nós – era formado pelas pessoas que gostariam de manter seus dragões. Elas foram transferidas para o outro lado da ilha, que ficava a muitas centenas de quilômetros dali, e aprenderam novas técnicas para cultivar comida e criar mais animais, para poderem alimentar os seus queridos dragões; assim, reestabeleceram a paz com eles. Mantinham-nos presos nos porões dos castelos durante o dia, mas à noite, saiam voando em suas corcovas, dando-lhes, um pouco de liberdade. Deste modo, os dragões mantinham-se calmos e pacíficos, e ainda ajudavam os aldeões nas colheitas, puxando arados e carregando enormes carroças com os produtos colhidos. Ainda eram úteis fornecendo fogo nas noites de inverno, e quando bem treinados, levavam as crianças da aldeia para passear durante as épocas dos festivais de colheita.



Já no outro lado da ilha, pertencente a Eles, ou seja, ao grupo que desejava exterminar os dragões e substituí-los por Poodles branquinhos, branquinhos, algo de terrível acontecia: os dragões, percebendo que seriam eliminados, começaram a fugir e juntar-se em grupos. Passaram a atacar e matar os aldeões, formando grandes e sangrentas batalhas. As pessoas ainda tentaram uma nova tática para aplacar a fúria dos dragões: toda semana, algumas pessoas eram escolhidas para serem dadas em oferenda, a fim de saciar a sede de sangue dos dragões, alimentando-os. Estas pobres vítimas eram escolhidas conforme uma votação bastante ‘democrática:’ estavam entre os aldeões mais pobres, ou fracos, que tinham problemas físicos ou que representavam as minorias – pessoas de cor e homossexuais, por exemplo. O medo passou a imperar na aldeia, e ninguém mais era confiável! A fim de livrarem-se do sacrifício, as pessoas passaram a apontar umas para as outras, destacando defeitos que pudessem justificar seu assassínio. Imperava a política do ‘antes ele do que eu.’



Mas a pior de todas as coisas, é que os dragões, sendo animais mágicos e muito instintivos, adivinhavam quando a hora de sua morte estava chegando, e colocavam um ovo para preservar a espécie. Quando se sentiam ameaçados, podiam colocar até três ovos! Desta maneira, quanto mais dragões eram trucidados, mais dragões nasciam!



Até que um dia, um dos aldeões de Eles resolveu passar alguns dias em Nós; descobriu que em Nós, pessoas e dragões viviam em paz e harmonia, e que até ajudavam-se mutuamente! Ele voltou para casa e imediatamente contou aos governantes de Eles o que estava acontecendo no lado da ilha ocupado por Nós. Os governantes decidiram ir até lá para ver o que estava acontecendo. Após alguns dias de viagem, chegaram a Nós. Foram muito bem recebidos pelos governantes, e perguntaram:



-Não sabemos o que deu errado... após todos estes anos, vocês, povo de Nós,  conseguiram prosperar, mesmo convivendo com seus dragões, e até fizeram com que eles contribuíssem para a economia de seu país. Dragões são animais perigosos, e por isso, queríamos livrarmo-nos deles! Mas a nossa tentativa de substituí-los por cães Poodle branquinhos, branquinhos, foi um total desastre! Os dragões revoltaram-se, e passaram a fazer ataques massivos contra o povo; o povo, por sua vez, passou a odiar uns aos outros, e tornou-se crítico e acusador. Nem mesmo o sacrifício humano foi capaz de aplacar a fúria dos dragões em Eles, e mesmo após a matança ter começado, o número de dragões multiplica-se cada vez mais! A situação é caótica!



Os governantes de Nós ouviram atentamente o desesperado relato do representante de Eles. Depois, um deles tomou o centro da sala de convenções e discursou:

“Caro representante do povo de Eles: é impossível eliminarmos os dragões! Eles fazem parte de nós, de nossa história e de nosso povo. No começo, nós também cometemos o erro de confiná-los aos porões dos castelos, mas ao percebermos que quando eles escapavam tornavam-se muito violentos, iniciamos uma nova tática: demos a eles as horas noturnas como liberdade! Assim, eles dormem  nos porões ou ajudam-nos nas colheitas durante o dia, ou executam outros serviços para nós, e à noite, eles são livres!

Tentar eliminá-los é inútil, pois nascem novos dragões para cada dragão morto; tentar prendê-los é perigoso, pois ao libertarem-se – e eles sempre se libertam – sua energia reprimida torna-se perigosíssima! A melhor maneira, é aprendermos a conviver pacificamente com nossos dragões, alimentando-os, respeitando-os, dando-lhes momentos de liberdade e cuidando bem deles, mas sem deixar que eles dominem a situação.”

Após o discurso, o governante de Nós levou os governantes de Eles a um passeio pelo local, e mostrou-lhes toda a abundância, paz e beleza que existia naquela parte da ilha. Os governantes de Eles ficaram aparentemente muito agradecidos, e se foram.



Mas ao chegarem em Eles, relataram o seguinte ao seu presidente:



“A parte da ilha onde vivem Nós é riquíssima! Não conseguiria descrever em palavras a quantidade de jazidas de diamantes e minas de ouro que vimos! Impossível calcular a riqueza das plantações e fábricas! É um povo perigoso, em potencial... além disso, eles tem em suas casas e porões milhares de dragões perigosíssimos, que a qualquer momento, poderão voar para a Terra de Eles juntar-se aos que tentamos matar, aumentando ainda mais os nossos problemas. Aconselho a invasão de Nós, e a destruição de seus dragões e de todos os rebeldes que não concordarem com nossos métodos de purificação!”



Assim, a Terra de Nós, pacífica e próspera, foi invadida pelas sombras da Terra de Eles. Foi o início de um grande massacre, com direito a guerras nucleares, genocídios, santas  inquisições, domínio de uma raça sobre as outras e muito derramamento de sangue. Os dragões – todos eles – se libertaram e passaram a sobrevoar a Terra, causando grandes males que perduram até os dias de hoje.



Mas dizem que um dia, esta história terá fim. Será?




6 comentários:

  1. Uauu, que belo texto, e por aí se vê que a ignorância, a maldade e a ganância ainda impera em muitos corações.
    Pobres de espírito não enxergam que só se pode viver em paz, harmonia e abundância áqueles que sabem respeitar aos seus semelhantes e viver em cooperatividade.
    Se esta história terá fim não sei, tudo são ciclos, e os que evoluem passam aos próximos enquanto outros se demoram e se demoram...
    Beijos menina e parabéns pela criatividade!

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  2. O absurdo do nazismo na cruel tentativa de "fabricar" a raça ariana (branquinha, branquinha); o horror indescritível do holocausto; as guerras decorrentes da ambição do homem, está tudo representado neste texto. Maravilha, garota! Demais!

    E é uma imensa alegria tê-la como seguidora no meu blog. Grande abraço de boas vindas.

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  3. Ai menina espero que tenha um final feliz,.Parabéns.Bjus\Flor*

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  4. Uma analogia perfeita Ana, para identificar que sempre existirão ELE, assim como o NÓS existirá. A noção de poder ainda cria tais matanças, e os dragões proliferam independente do desejo de elimina-los. Perfeito texto Ana. Bom dia querida, paz e bem sempre.

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  5. Texto criativo e de grandes ensinamentos. Parabéns, Ana.

    Abraços,
    Ysolda

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  6. Texto fantástico, inusitado, transforma a fantasia em fatos; trás os dragões extintos e coloca numa plateia aristocrata onde a terra do nós [eu] é sumariamente invadida pelo povo do eles.
    Tomo nesta história uma moral sobre as diferenças sócias estabelecidas pelo socialismo sem regras...

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