Já
tinha pago as contas do mês. Caminhava pela Avenida XV de Novembro, já
voltando para casa no final da tarde, quando a menina pediu: "Mãe, me
leva na praça?" Ela pensou nos legumes que tinha deixado na geladeira,
já descascados e cortados para para o preparo do jantar. Pensou na roupa
que ficara de molho no tanque. Pensou no chão que ainda não varrera.
Suspirou: "Está bem, mas só um pouquinho!" A menina pulou de alegria,
abraçando a mãe pela cintura.
Ainda não tinham lanchado, mas a menina não sentia fome; só conseguia pensar nos balanços, nas gangorras e no vai-vém.
A
mãe resolveu ir pela Avenida Koeller, pois adorava passar por aquelas
mansões maravilhosas. As magnólias que se enfileiravam pela rua estavam
crivadas de pássaros, que faziam a maior algazarra nas copas das
árvores. O céu era de um azul absurdamente límpido e uniforme. Uma linda
tarde.
Ela segurava a mãozinha da filha, que ia pulando ao lado
dela, e lembrava de um tempo - bem distante - em que passeara por ali
segurando a mão de seu primeiro amor. Nada mudara. A paisagem era a
mesma. Seus sonhos, embora perdidos pelo caminho, ainda insistiam em vir
à tona de vez em quando, mesmo sendo impossíveis.
Atravessaram a rua
em direção à Praça da Liberdade. A menina, ansiosa, quase arrastava a
mãe pelo caminho, querendo chegar logo aos balanços. Teve que esperar
sua vez, mas enquanto isso, comeu a metade do saquinho de pipocas sem
casca que sua mãe comprara para ela. A outra metade, a mãe colocara na
bolsa.
Finalmente, a mãe ajudou-a a sentar-se num balanço de assento
vermelho, e logo começou a empurrá-la. Outras crianças também aguardavam
sua vez, e algumas mães conversavam.
Ela gritava: "Mais alto, mãe!"
Enquanto as copas das árvores iam ficando cada vez mais próximas. A
sensação era indescritível! Cansada de empurrar, a mãe disse: " Agora
você dá impulso, como eu ensinei!" E ela assumia o controle do balanço,
sentindo-se cada vez mais livre.
A mãe sentou-se em um dos banquinhos
de madeira para descansar. Sentia um pouco de fome, mas talvez a menina
quisesse comer o resto da pipoca mais tarde, e as moedinhas em sua
carteira só dariam para a passagem de ônibus de volta para casa e para
seu vidro de xampu. Ela ficou ali, observando o movimento, admirando os
vestidos das outras mães. Nem se lembrava mais da última vez que
comprara um vestido novo. Será que ainda era bonita? Não tinha muito
tempo para cuidar da aparência, pois sua vida resumia-se a acordar às
cinco da manhã, preparar a marmita do marido e dos três filhos mais
velhos para que fossem trabalhar e preparar as duas meninas mais novas
para a escola. Depois, a lida com a acasa tomava-lhe todo o tempo
restante. Sua diversão consistia em ouvir as novelas no rádio e
conversar com a vizinha da casa ao lado.
De repente, percebeu que estava sendo observada.
Do
outro lado da praça, um homem olhava insistentemente para ela. Olhos de
lobo. apenas um paquerador barato em busca de aventura, mas ela
sentiu-se viva novamente, sabendo que ainda era capaz de chamar a
atenção de alguém. Passou as mãos pelo cabelo instintivamente. Alisou a
saia do vestido. Percebeu as unhas lascadas. Ele ainda olhava para ela.
Sentiu vontade de sorrir, mas achou que não ficava bem. Achou melhor ir
embora.
Chamou a menina, que insistiu em ficar mais um pouco, mas a
mãe segurou o balanço e obrigou-a a descer. A menina berrava,
esperneava, soluçava. As outras mães começaram a olhar e fazer
comentários em voz baixa. Ela sentiu seu rosto queimar.
Quando saiu
do balanço, a menina estava aos prantos, e a mãe tentava consolá-la.
"Não chore, eu te compro uma caixa de estalinhos..." Enquanto isso, a
menina caminhava ao lado da mãe, desconsolada. De vez em quando, olhava
para trás, para os balanços - o seu, ocupado por outra criança. Gritou:
"Eu não quero estalinho, quero uma cornetinha!" A mãe aproximou-se da
barraca do vendedor e perguntou quanto era a cornetinha de plástico que a
menina queria. Custava metade do seu vidro de xampu. Mas ela comprou-a
assim mesmo. Finalmente consolada, a menina assoprava a cornetinha,
tentando reproduzir alguns sons interessantes, cobrindo e descobrindo os
três furinhos.
Começava a escurecer, e a menina sentia frio e fome.
Também estava muito cansada. Pediu a mãe que a carregasse no colo. A
mãe protestou: "O ponto de ônibus é logo ali. Ande mais um pouquinho, e
eu te carrego no colo depois." A menina, mau humorada, jogou no chão a
cornetinha, lascando-lhe a beirada. A mãe pegou-a do chão, limpando a
poeira na saia e devolvendo-a à menina: "Olhe, ainda serve, só quebrou
um pedacinho..." Mas a menina berrou: "eu quero uma nova!"
Naquele
momento, a mãe teve vontade de chorar também. Estava cansada, com frio e
com fome. mais uma vez, tinha feito o melhor que podia, e não tinha
sido o bastante. De repente, vieram à tona todas as queixas do marido,
sobre o quanto ela era insuficiente, sobre a comida sem-sal ou salgada
demais, a camisa mal-passada. Ela quis chorar. Ela quis morrer.
Mas simplesmente pegou o restante do dinheiro na carteira e comprou outra cornetinha para a filha.
No
ônibus, a menina adormeceu em seu colo, agarrada à sua nova cornetinha.
A mãe olhava a paisagem, as primeiras luzes se acendendo nos postes, os
faróis dos carros, o céu avermelhado. Um vento frio entrava pela janela
do passageiro do banco da frente, e ela apertou mais a menina
adormecida, tentando aquecê-la.
Novamente, pensava no jantar, que naquela noite, estaria atrasado.