Finalmente, a chuva deu o ar de sua graça. Chegou ainda há pouco, anunciada por um trovão longínquo. Trouxe com ela uma menina que eu conheci há muito tempo, uma adolescente que gostava de ouvir música sentada sobre o parapeito da janela quando chovia. Ela tinha cabelos pretos, lisos e longos, o corpo magro e flexível e o frescor da juventude nos passos.
Ela deixava que seu olhar se perdesse na paisagem à janela, enquanto a música que tocava a conduzia a algum lugar para longe dali. Sonhava, como todas as garotas da sua idade, com algum menino lindo que conhecia, cujo amor platônico jamais chegou a pertencer-lhe.
Às vezes, ela sentia uma vontade enorme de chorar, e então, ia fazer as unhas dos pés. Enquanto o seu olhar embaçado turvava-lhe a visão, tirava imensos bifes de suas cutículas, pintando as unhas de vermelho para disfarçar. Usava, para ir à escola (sempre rebelde quanto ao item 'uniforme') uma calça jeans verde muito desbotada, um par de tênis velhos e uma suéter de lã branca.
Ela era fã incondicional do Queen e do Supertramp, e adorava cantar. Passava horas e horas ouvindo música, e assim, memorizou quase todas as suas letras preferidas. Mais tarde, as colegas sempre se surpreendiam com a facilidade que ela tinha ao participar de um jogo, que era assim: alguém dizia uma palavra, e outra pessoa tinha que cantar uma música que tivesse aquela palavra na letra. Ela sempre vencia!
Amava assistir filmes de Elvis Presley na Sessão da Tarde. Também apreciava os filmes dos anos 40, que assistia com a mãe. Quis ser bailarina, mas não aconteceu... treinou para ser baliza da escola, mas no final, deram o cargo a outra menina. Tentou aprender música e violão, mas achou difícil demais. Durante algum tempo, estudou Jazz, mas acabou desistindo, pois a professora foi muito grosseira com ela, um dia. Chegou a participar de corridas rústicas na sua cidade, mas achou cansativo demais. Fez Yoga, mas achou muito monótono.
Apesar de ser uma linda menina, achava-se feia, desengonçada e sem graça. Era tímida, muito tímida! Preferia assistir a participar. Péssima esportista, ela escondia-se atrás das árvores do pátio da escola durante as aulas de Educação Física. Na sexta série, ela gostava de matar aulas e ir para os jardins do Museu Imperial com suas duas melhores amigas. Lá, elas praticavam sua atividade predileta: conversar e fumar, fingindo que eram adultas e intelectualizadas.
Muitas vezes, ela ia para casa à pé da escola, apenas para passar em frente à casa de uma doceira do bairro que fazia e vendia deliciosos picolés caseiros de abacate, coco, chocolate e manga.
Ela tinha um segredo: gostava de escrever histórias, que ela colocava em cadernos e escondia em seu armário de roupas. Muitas ficaram inacabadas, e outras tantas, foram queimadas ou rasgadas após terminá-las. Apenas gostava de escrever. Também tinha a mania de fazer diários, mas morrendo de medo que alguém os lesse e descobrisse seus segredos, ela também os destruía a todos.
Nos finais de semana, ela adorava ir dançar com seus amigos e sua irmã mais velha em um clube famoso da cidade. Durante as férias, as duas passavam o dia todo na piscina do clube, e almoçavam batatas fritas e Coca-Cola. Por isso, ela tinha a pele muito bronzeada.
Para ir ao clube dançar, ela contornava os olhos com lápis preto, colocava um brilho labial avermelhado, sandálias com meias brilhosas e coloridas e trancinhas finas sobre os cabelos. Adorava dançar!
Não teve muitos namorados, apenas alguns ficantes e paqueras. Era tímida demais para investir nos meninos que a interessavam. Além disso, não conseguia fazer como as irmãs e algumas amigas, que mentiam aos pais, dizendo que estavam com as amigas enquanto namoravam. Não sabia mentir; nunca aprendeu.
A menina que me visitou hoje, adorava andar na chuva. Pisava dentro das poças d'água, ficava com os cabelos escorrendo de tão molhados. A mãe sempre ralhava com ela, pois tinha problemas crônicos de garganta, que só conseguiu curar após os vinte anos de idade.
Bem, há muito mais coisas sobre aquela menina, que veio com a chuva para visitar-me. Eu bem que tentei ignorá-la, mas ela insistiu que eu contasse um pouquinho de sua história, pois acha que anda meio-esquecida por mim, ultimamente... prometi a ela que, na próxima chuva, eu estarei lá, dançando, de braços abertos, em sua homenagem.