Texto escrito em janeiro de 2011, para meu sobrinho. Hoje lembrei-me muito dele...
No momento, vasculho no meio daquilo tudo que você foi e representou para mim.
Lembro-me de que quando você nasceu, era apenas uma coisinha chorona enrolada em um cobertor, e tirou muitas noites de sono de sua mãe. Conforme foi crescendo, tornou-se um menino às vezes um pouco nervoso, arredio, e de choro muito fácil. Tinha mania de morder os lábios inferiores, puxando-os para dentro da boca, e ficando parecido com um patinho. Às vezes a gente chegava perto de você, e só de te olhar, você já desandava a chorar... eu não gostava de tomar conta de você por causa disso. Já a sua irmã, era uma menininha tão quieta e dócil, que todo mundo adorava tê-la por perto.
Você tinha mania de gatinhar com o bumbum para cima, sem tocar o chão com os joelhos, como os bebês 'normais.' E conseguia fazê-lo a uma velocidade impressionante! Uma vez, quando você tinha uns dois anos de idade, estava concentrado nesse seu gatinhar atômico, enquanto o seu priminho menor, que estava aprendendo a andar, claudicava ali por perto. Você passava zunindo a poucos centímetros dele. Eu ralhei com você: "Pára com isso, senão você vai acabar derrubando o bebê!" Você olhou para mim com um olhar desafiador, e continuou. Segundos depois, você esbarrou no seu primo, derrubando-o, e ele bateu com a cabeça no fecho da porta, abrindo um pequeno rio de sangue que lhe escorreu pela testa.
Enquanto as pesoas socorriam o seu primo, eu, tomada por uma fúria cega, praticamente joguei-o sentado no sofá: "Eu não te avisei?" Você arregalou os olhos e chorou mais ainda do que seu primo! Realmente, você era um moleque muito chato...
Você foi crescendo... lembro-me de muitos momentos tristes na história de sua vida, mas destes, eu quero esquecer-me. Ficarei com os mais alegres.
Você já foi meu aluno de Inglês. Curioso, dedicado... fazia aulas com sua prima, aos sábados de manhã. Eu adorava aquelas manhãs! Depois das aulas, a gente ia tomar o ônibus lá no Retiro, e fazíamos a caminhada de dez minutos conversando, enquanto vocês me falavam de seus planos e sonhos. Às vezes eu ficava meio-irritada quando você me interrompia a aula para fazer perguntas totalmente discrepantes, que nada tinham a ver com o assunto. Mas aquelas perguntas acabavam sempre enveredando por uma senda mais interessante do que aprender Inglês, e a conversa ia até o finalzinho da aula...
Você estudou feito um louco para conseguir entrar na Universidade Federal. Eu costumava ajudá-lo com as redações, escolhendo temas para você escrever sobre eles, e depois, corrigindo-os para você. E você conseguiu! passou, foi estudar Biologia em Campos. Foi a época mais feliz de sua vida!
Lá, você fez muitos amigos, que te acompanham até hoje, e que já deram inúmeras provas da grande amizade que eles tem por você. No Natal, te escreveram um cartão tamanho-família, cheio de fotos e mensagens, assegurando-lhe de que estariam sempre com você. Te vi naquelas fotos, em vários momentos muito felizes de sua vida, e tive certeza de que todas as dificuldades que você passou para alcançar aquela alegria, valeram a pena.
Você sempre me disse que tudo na vida sempre foi muito difícil para você, e que cada conquista foi fruto de muito suor e superação. Mas olha, você conseguiu: Fez muitos amigos e conquistou o amor de uma louraça estonteante, e também, o respeito de todos nós; é motivo de orgulho para seus pais e sua família. Divertiu-se, subiu o Pico da Bandeira, estudou seus anfíbios, passeou, riu... acho que sua vida foi mais intensa do que a de muita gente que conheço.
Quando você descobriu a sentença que a vida tinha te reservado, todos nós nos juntamos à sua volta. Eu vi de perto cada momento, e a maneira corajosa e bem-humorada que você usou para enfrentar a todos eles. Muitas vezes, você me ligava chorando, e a gente conversava, e no final, acabávamos sempre rindo...
Lembro-me da penúltima vez que você veio me visitar com sua irmã. O dia estava lindo, e ficamos a tarde toda jogando conversa fora. Foi naquele dia que você me deixou aqueles DVDs do Foo Fighters, que eu confundi com CDs. Fui motivo de risos para você seus primos durante algum tempo! Aquele dia foi totalmente leve e feliz... você deixou em meu computador, um vídeo seu que foi feito em Campos, quando você tocou bateria. Eu o assisto quase todos os dias. Você já estava carequinha, mas forte e cheio de vida.
Da última vez, você já estava diferente. Um pouco mais melancólico. Cansado e fraco. Depois do almoço, pediu para dormir no sofá da sala, e eu te cobri com uma manta. Você não sabe, mas naquele dia, eu fiquei te observando por muito tempo. Te desejando tudo de bom. E repetindo para mim mesma, que tudo ficaria bem.
Mas não ficou.
Quando a vida te deu a segunda martelada, lembro-me de você me ligando quase meia-noite, dizendo que ia para Goiás, visitar João de Deus em Abadiana. Partiu na manhã seguinte. Ele te mandou voltar outras vezes, mas não deu tempo. Quem sabe, Deus te concede mais algum tempo, para que você possa se recuperar o suficiente para voltar lá?
Graças a Deus, você não está consciente do que se passa. Vive em um mundinho só seu, e só Deus sabe quem está nele. Às vezes, ergue o braço e o estica para frente, tentando alcançar alguma coisa que só você vê. Ontem à noite, perguntei: "Você sabe quem eu sou?" Você me olhou, e negando com a cabeça, a sobrancelha franzida, murmurou: "Hã-hã..." Eu disse: "Sou a Tia Ana. Só vim aqui dizer que te amo." Você segurou minha mão.