Ele está lá, todos os dias. Tem donos, mas eles trabalham o dia todo e ele fica sozinho em casa, e parece que ele não gosta de ficar sozinho. E ele sobe naquele muro altíssimo (só de olhar, dá uma angústia e um medo enorme de que ele possa cair) e vem aqui para a parte dos fundos do meu quintal, tentar ser adotado por mim e pelos meus cães. Porém, meus cães não gostam nada da ideia, e querem trucidá-lo em pedacinhos.
Ele olha para os meus cães e dá seus doces miados, como a dizer: "Olhem sou um cara legal, deixem eu ficar e seremos amigos!" Mas sua estratégia não funciona. Ontem tirei-o de dentro da casa dos cães (por sorte, eles não o viram, não estavam lá). Temo pela vida dele. À noite, eu e meu marido pegamos ele no colo e descemos a rua para entregá-lo aos donos, mas ninguém estava em casa. Deixei-o no portão, do lado de fora da casa. Ele ficou lá sentadinho, olhando a gente ir embora, e meu coração soltou um fio que ficou preso entre suas patinhas.
O gatinho caminha sobre a altura do muro,
Tão branco o seu pelo
Ele mia, delicado, e em doce apelo,
Esfrega o corpinho branco entre as grades.
Os cães ladram, lá de baixo,
Mas ele não quer contenda.
O gatinho só quer alguém
Que o acolha e compreenda.
E ele anda o dia inteiro
Sem descanso, de lá pra cá
De cá pra lá , de canto em canto,
Por toda a extensão do imenso
Muro branco.
Seus miados angustiados
Encontram-se com a lua que surge
Na curva da rua, entre os montes.
Pobre gatinho branco,
Que chorou o dia todo
E entrou na noite sem sequer
Um acalanto!
Suas patinhas macias que cobriram todo o muro
De lá pra cá, de cá pra lá
De canto em canto
De tanta solidão, perderam o encanto...
E eu o vi, mas fingi indiferença
Não por mal-querença, mas por proteção,
Para que ele não terminasse
Sua vidinha tão doce
Na boca de um cão.
Gatinho branco, não posso te oferecer o que procuras,
Mas eu queria poder
Tê-lo em meus braços,
Para fazê-lo dormir sossegado,
Ronronando tranquilo, de olhos fechados,
Ao saber-se amado...