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sábado, 13 de agosto de 2022

Gatinho

 



Ele está lá, todos os dias. Tem donos, mas eles trabalham o dia todo e ele fica sozinho em casa, e parece que ele não gosta de ficar sozinho. E ele sobe naquele muro altíssimo (só de olhar, dá uma angústia e um medo enorme de que ele possa cair) e vem aqui para a parte dos fundos do meu quintal, tentar ser adotado por mim e pelos meus cães. Porém, meus cães não gostam nada da ideia, e querem trucidá-lo em pedacinhos.

Ele olha para os meus cães e dá seus doces miados, como a dizer: "Olhem sou um cara legal, deixem eu ficar e seremos amigos!" Mas sua estratégia não funciona. Ontem tirei-o de dentro da casa dos cães (por sorte, eles não o viram, não estavam lá). Temo pela vida dele. À noite, eu e meu marido pegamos ele no colo e descemos a rua para entregá-lo aos donos, mas ninguém estava em casa. Deixei-o no portão, do lado de fora da casa. Ele ficou lá sentadinho, olhando a gente ir embora, e meu coração soltou um fio que ficou preso entre suas patinhas.



O gatinho caminha sobre a altura do muro,

Tão branco o seu pelo

Ele mia, delicado, e em doce apelo,

Esfrega o corpinho branco entre as grades.


Os cães ladram, lá de baixo,

Mas ele não quer contenda.

O gatinho só quer alguém

Que o acolha e compreenda.


E ele anda o dia inteiro

Sem descanso, de lá pra cá

De cá pra lá , de canto em canto,

Por toda a extensão do imenso

Muro branco.


Seus miados angustiados

Encontram-se com a lua que surge

Na curva da rua, entre os montes.

Pobre gatinho branco,

Que chorou o dia todo

E entrou na noite sem sequer

Um acalanto!

Suas patinhas macias que cobriram todo o muro

De lá pra cá,  de cá pra lá

De canto em canto

De tanta solidão, perderam o encanto...


E eu o vi, mas fingi indiferença

Não por mal-querença, mas por proteção,

Para que ele não terminasse

Sua vidinha tão doce

Na boca de um cão.


Gatinho  branco, não posso te oferecer o que procuras,

Mas eu queria poder

Tê-lo em meus braços,

Para fazê-lo dormir sossegado,

Ronronando tranquilo, de olhos fechados,

Ao saber-se amado...




quinta-feira, 11 de agosto de 2022

PORTAS FECHADAS







Ela tem os nós dos dedos inflamados

De tanto bater às portas erradas.

As mãos inchadas

Já não suportam mais os anéis que não se encaixam,

Os pulsos enfaixados, quebrados,

Já não têm forças para suportar

Os dedos crispados.


 E ela se senta nos alpendres,

Clamando em desespero por alguém que a ouça,

Mas sempre bate às portas erradas,

Onde não há ninguém de verdade,

Onde a saudade já nem existe – e ela é tão triste!


 A solidão a deixa cega, desesperada,

E ela nem sequer percebe

A maldição que sai dos olhos enviesados,

E dos risos sarcásticos e frios,

Dos corações vazios onde ela tenta, por um momento,

Entrar e sentar-se

Desejando alento.


E ela só bate às portas erradas,

Às portas cerradas,

Tentando agradar sempre

A todo tipo de gente afetada,

E logo, seus olhos tristes se enchem de escárnio,

Seus lábios se curvam em sarcasmo,

E do seu coração, ela deixa vazar

Todo o amor que procurava

Na sarjeta mais próxima, na beira da estrada.

E ela procura por caminhos mais leves

Por dentro dos quintais cercados;


Por entre as ervas daninhas que ninguém plantou,

Ela pensa ver flores em seu delírio...

Nas luzes estroboscópicas que brilham,

Ela imagina ver o sol.


 E ela torce e retorce o corpo

Tentando caber em outros espaços,

Ela se cala para dar vez a outras vozes,


Alheias vozes que lhe dizem como ser,

Do que gostar, o que fazer,

Como vestir-se, como usar aquela maquiagem

Que a deixe com cara

De felicidade.







 




 


 




quinta-feira, 30 de junho de 2022

BUCÓLICA



BUCÓLICA

A paz branca sobre o muro caiado,
Por onde caminha, em silêncio, um gato.
Canta o vento,
Levanta as saias das cortinas.

Rangem as dobradiças
Das portas antigas
Que resguardam a privacidade
Dos meus pensamentos.

As pétalas das flores temem
Um mal me quer iminente
Que ronda por fora dos muros
Dentro do mundo.

Meu coração é fluente
E ao mesmo tempo, calado.

À noite, 
Eu ajeito os travesseiros, 
Me viro de lado
E finjo adormecer tranquila.

Pés desnudos no gramado,
Piso as sombras das borboletas
E coleto folhas secas.

O sol quarado pelos ramos
Ilumina, de repente,
Um pensamento
Que eu tento não ter.

Vem a brisa, sopra-o para longe,
Por cima do muro caiado
Sobre qual caminha o gato
A espera de um pássaro distraído.

E o pensamento cai, desolado,
Sobre a calçada rachada
Marcada de passos
Demasiadamente apressados.









 

segunda-feira, 20 de junho de 2022

TUA CASA

 



Edifica a tua casa

Com portas feitas de vento,

Pisos de pensamentos

E janelas feitas de asas.


Corredores oblongos

Pela lua iluminados,

E paredes transparentes

Que conduzem a amplas salas

Com telhas feitas de estrelas

Ou de luz do sol quarada. 


Edifica a tua casa

E a abençoa em silêncio

Pelo fogo e pela água.


Convida a coabitá-la

Salamandras e ondinas,

Zéfiros, fadas, duendes,

Pessoas que ainda são,

Pessoas que já se foram

E as que ainda nascerão.


Canta, do alto da escada,

Canções que sejam divinas,

Borda toalhas e fronhas

Com os sonhos do presente,

Com as linhas das memórias

E as miçangas do futuro.


Edifica a tua casa,

Mas constrói, com zelo, um muro,

Que não seja muito alto

Mas que sirva de limite

Entre o terreno e a estrada.


Planta flores delicadas

Que atraiam passarinhos,

Deixa que a chuva, nas calhas,

Misture as canções das nuvens

Com as canções dos telhados,

Escorrendo nas vidraças

Quando a vida for levada.


Edifica a tua casa

Sabendo que ela não é tua,

Amanhã será ruínas,

E tu, não serás mais nada,

Mas ressignificada

Será a vida, por causa

Dessa casa edificada

Pelas mãos que foram tuas.







sexta-feira, 10 de junho de 2022

FUTILIDADE

 


Os motivos pelos quais as pessoas se odeiam ou guardam ressentimentos umas das outras são, quase sempre, fúteis.


Às vezes
O ressentimento
Vem de um espelho invertido
Onde alguém se mira
E enxerga outro rosto
Que nunca foi
Ou jamais será
Seu próprio rosto.

É abominável,
E incompreensível
Que um mero sorriso
Possa erguer no outro
Altas labaredas,
Ígneas paredes
De puro desgosto.

E a cada dia, aumentam
As distâncias ressentidas,
Pois a dor de querer ser
O que não se pode na vida,
É voraz, insuportável,
Tanto para quem deseja
Quanto para o objeto
Que é sempre desejado.








quarta-feira, 1 de junho de 2022

CONTEMPLAÇÃO

 



Aqui, nesse jardim

Onde eu me sento,

Não há espaço para os apegos.

Um dia flor, perfume, cor,

No outro, dor, miolo, chão,

Semente.


Um dia canto, voo, liberdade,

No outro, apenas

As penas pelo chão,

Corpo vazio de ave.


O sol nasce e se põe, todos os dias,

Mas nem isso é verdadeiro,

Pura ilusão, estarmos parados

Ou nos movermos.


Não há razão para a saudade,

Pois nada morre,

E nada nasce,

Tudo é passagem.


Eu penso ver todas as coisas,

Mas há mil coisas 

Que eu nem enxergo

Ou imagino

Que esteja lá (Mas onde é Lá?)


Esse jardim

Onde eu me sento,

Onde contemplo,

É como um templo

Que desafia

O próprio tempo

(Que nem existe).





segunda-feira, 30 de maio de 2022

ENXURRADA

 

 

 

Enxurrada

 

Eu, sentada,

Céu por cima,

Enxurrada,

Chuva fina...

 

E na água,

Passam os pontos de exclamação,

Afundando e emergindo,

Afundando, e indo...

 

Minha vida,

Minha lida,

Minha história

Quase escrita...

 

E na água,

Passam os pontos de interrogação,

Afundando e emergindo,

Afundando, e indo...

 

O passado,

As histórias,

As memórias,

As ausências...

 

E na água,

Passam parênteses não preenchidos,

Afundando e emergindo,

Afundando e indo...

 

O futuro,

Os dilemas,

As promessas,

E seus cacos...

 

E na água,

Passam os tremas e as reticências,

Afundando e emergindo,

Afundando e indo...

 

Eu sentada,

Eu olhando,

Eu parada,

Eu sonhando...

 

 



segunda-feira, 16 de maio de 2022

ECLIPSE





Entre as folhas, ao erguer dos olhos,

A surpresa entre o risonho girar dos planetas

Que parecem estar sempre parados.

Deito confortavelmente a cabeça na cerca,

Desprendo-me do peso do corpo cansado

Enquanto sonho.


Leve, esta é a palavra,

O meu adjetivo atemporal nesse momento

Que me transporta para bem além do tempo

A um templo onde eu era, antes de ser.

Dissolvo-me morta no pó das estrelas,

Empresto meu sangue ao sonho da lua

Que nele mergulha, e me bebe inteira.





terça-feira, 3 de maio de 2022

MEMÓRIAS



 O que ficou preso

Nas tramas do tempo

Jamais se foi,

Não se perdeu.

Descansa em silêncio 

Sob os cotovelos

No peitoril da janela,

Desce com a chuva

Pelas telhas,

Está entrelaçado 

Nas tramas da colcha,

Nos olha feliz

De dentro do quadro

Dependurado

Do passado.


Eu posso senti-lo,

Conversa comigo

No véu das lembranças,

As suas risadas

Ainda ecoando

Nos cantos da casa,

Seus passos marcados

Ainda impressos

Na minha calçada. 


Mas a vida segue

Longe e perto,

Dentro e fora,

Do lado escondido

Da minha memória, 

Em cada palavra

Da qual se compõe 

A minha,

A tua,

A nossa história. 






quarta-feira, 27 de abril de 2022

FATALIDADE






Todos os caminhos De todas as pessoas De todos os animais De todas as plantas Levam à morte. Cedo ou tarde, Ou na hora certa, Mas quase sempre Na hora errada. Choramos tanto Pelo que vai antes, E seguramos Por entre os dedos O que escapa, Como se ficar Fosse vantagem, Como se quem fica Fosse feliz. E vamos todos Por essa estrada Que ninguém sabe Onde vai dar. E vamos todos, E não há nada A se fazer, De nada adianta Tanto chorar.




segunda-feira, 18 de abril de 2022

PROMESSA



Eu prometi

Desaparecer,

Prometi embrenhar-me ainda mais

Nessa densa floresta dentro de mim

A fim de estender

Uma inevitável despedida.


Mas assim é a vida,

Eu prometi, e hei de cumprir,

Embora nenhuma lei há

Que vá me punir

Se eu quebrar a minha promessa,

Já que nada sou,

Nada represento,

Nada quero ser.


Eu prometi deixar meus dedos

Emaranhados nessas heras,

Subindo pelo muro desta casa,

Pés enraizados no gramado.


Prometi cortar as próprias asas

Para que possa voar bem mais alto

Ao abrir os olhos 

Em outras esferas.





EU TE IGNORO




Eu te ignoro, poema,

Nas noites escuras em que procuras,

Um coração que te faça existir.

Quero poder não te ouvir,

Me reservando o direito

De não te parir.


E quanto mais tu insistes

Nas tristes intromissões

Entre a noite e o meu sonho,

Eu me abstenho de ti,


Mas lá dentro

Guardo a esperança vã

De te encontrar pela manhã.





 


 

terça-feira, 8 de março de 2022

AH, ESSE CÉU IMENSO...






Final de tarde; as nuvens voltam para casa,

Viajando pelo céu bem devagar,

Vestidas de amarelo, branco, alaranjado,

A noite se fecha em volta delas,

Salpicando de estrelas os espaços nacarados.


E eu, da janela, as olho e penso:

-Ah, esse céu, sempre tão imenso,

Pairando em silêncio por cima de mim,

Pano de fundo do meu pensamento!


Tento descobrir meu próprio caminho

Vivendo a ilusão de que ele é meu,

Olhos perdidos nas nuvens que passam,

Sonhos estendidos por sobre a montanha

Sendo recolhidos nos braços

De Deus.





terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

QUASE UMA PALAVRA







Desceu transparente nas gotas de chuva.
Seu som, o silêncio.
Um sopro no ar, um beijo de vento.
Algo que nasceu entre os lábios
E na mesma hora, voltou-se para dentro.
Esteve parada entre o lápis e os dedos,
Olhando para a folha, morrendo de medo.
No arco do braço foi redesenhada
Porém, ninguém percebeu seu intento.
Sentada no alpendre, viu o sol se por,
Teve finalmente, um breve vislumbre
Do que poderia ter sido o amor...
Mas dentro do peito, ela adormeceu.
Só pôde ser ouvida por quem a enxergou
Na menina dos olhos, nos riscos da íris
Daquela que se calou.





 

segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

DOR

 



Dos teus olhos, lágrimas.

Da tua boca, magma.

Algo a se quebrar

No teu diafragma.


Na palavra, lástima

Devagar, se alastra...

Sobre a pele pálida

Tua dor é vasta.


Cálido querer

Aos poucos, se arrasta

Ganha a rua, e quer

Se banhar de sol.


E no arrebol,

Vida a renascer...

Tecitura fina

(Inda transparente)

De uma nova rima.





quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

ALTEREGO

 




A flor também é todo e cada espinho,

O talo longo em direção ao céu,

As folhas verdes e as folhas secas,

O seu perfume de mistério – o véu

Descortinado à beira do caminho.

 

A flor é a praga grudada na planta,

E toda a seiva que a alimenta,

Ela é a raiz que na terra se deita

Lutando contra quem quase a arranca

E não consegue, mas tenta, e tenta.

 

A flor é aquela cuja cor é forte,

Mas poucos notam, à beira da estrada...

Que seca, anônima é pisoteada,

Mas se entrega, sem temor à morte

E à sua sorte, ao ser abandonada.

 

A flor é aquilo que ainda resta,

E ainda pulsa, e ainda sente,

Que parecia ser tão indefesa

Mas que renasce do nada – surpresa!

De uma obscura, ínfima semente.

 

 


 

 

NINGUÉM VIU O TEU SORRISO




 Ninguém viu o teu sorriso

Dentro dos olhos

Quando te olhavam, convencidos

De que o tinham ferido.


Ninguém viu o teu sorriso

Em cada lágrima forjada

Que sobre o teu rosto rolava

Simulando desabrigo.


Ninguém viu o teu sorriso porque

A melhor estratégia

E a melhor vingança,

É ter um sorriso escondido na manga

Para usar na hora certa

Em que se acha vencedor

O teu inimigo.




terça-feira, 9 de novembro de 2021

Com o Tempo



 As pessoas, com o tempo

Viram bonecos de palha

Que o vento espalha,

E os corvos riem.

Com os braços amarrados,

Elas vigiam os prados,

Os pássaros se divertem,

E eles, ficam sozinhos.


As pessoas, com o tempo

Se cansam de perder tempo

E se perdem no caminho.

É um processo curioso,

Ver as palhas desmanchando,

E os velhos espantalhos

Virando ninhos.








TE AMEI

 




Te amei, na hora mais escura

Quando o sol e a lua

Tornaram-se estranhos.

Te amei, durante a tempestade

Quando tudo era saudade

Na curva dos teus anos.


Te amei, quando ninguém  havia

Ao raiar de cada dia

Que te trouxesse a paz.

Te amei, sem qualquer reticência,

Sem medo da decadência,

Ou de não me amares mais.


Se hoje o amor que tivemos

Perdeu-se na viagem

Por um Nós desconhecido,

Pelo menos, sei que fui abrigo,

Embora só restem  ruínas

Daquele amor tão antigo.




segunda-feira, 1 de novembro de 2021

MURO DE FUZILAMENTO

 






Estamos todos
Contra a parede.
- Jamais se mexa,
Não olhe mais
Dentro dos olhos.
Não se atreva
A discutir,
A discordar,
Não argumente,
Jamais duvide,
Ou sequer pense.
Mova a cabeça
Só para cima
E  para baixo,
Não para os lados.
Um simples gesto
Ou movimento
Pode causar
Constrangimento.
Nunca se esqueça
Que essa parede
Na qual te apoias
É um muro de
Fuzilamento.

Jamais retruque
Opiniões
Daqueles que
Sabem de tudo:
Só fique mudo,
Quem sabe, eles
Te deixarão
Quem sabe, não
Cancelarão
As suas redes,
A sua vida,
Sua existência.
- Tenha decência,
Mostre anuência,
Dê um sorriso
Amarelado,
Olhe pro chão,
Olhe pro lado
E não se esqueça
Que essa parede
Na qual te apoias
É um muro de
Fuzilamento.






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O TUCANO

O Tucano O TUCANO   Domingo de manhã: chuva ritmada e temperatura amena. A casa silenciosa às seis e trinta da manhã. Nada melhor do que me ...