Capim, capim, capim. Algumas árvores
ressecadas. Chão de barro, poeira, poeira, poeira. Calor. Calor infernal,
impossível de ser suportado por qualquer pessoa normal. Várias casinhas em
péssimo estado de conservação. Elas são pequenas, muito pequenas e muito sujas. As
janelas estão quebradas, e dá para ver que em algumas delas ninguém mora. Quem morou
ali, e por que as abandonou? Será por causa do calor?
Em alguns trechos, há mais verde. Colinas se
estendem até onde os olhos alcançam, salpicadas de manchas brancas: vaquinhas. As
vaquinhas se escondem do sol do meio-dia amontoadas sob as árvores. As casinhas
aqui parecem mais alegres, embora o calor seja igualmente insuportável. As cercas
brancas de madeira servem também para enfeitar.
Olho para os animais e sinto uma pena enorme
deles, por terem que viver ali. Às vezes, aparece um cachorrinho magro,
cambaleando, entregue à própria sorte. Não há água ou comida à vista. Não
podemos parar para acudi-los. O que fazer? Colocá-los todos dentro do carro e
trazê-los para casa? Alguns são
atropelados e mortos. Passamos por um grupo de urubus que devoravam um gato.
As pessoas sentam-se às portas dos pequenos
bares em ruínas que parecem que vão desmoronar a qualquer momento. Olham a
estrada. As mãos estão estendidas sobre as próprias pernas em uma atitude de
submissão. Muitos usam camisas abertas de tecido encardido, e outros apenas
shorts. Nós passamos, e eles nos encaram.
Calor, calor, calor. O vapor que sobe do chão é
visível aos olhos. Aposto que as cervejas que tomam ficam quentes em menos de
cinco minutos. Resta-lhes os copinhos de cachaça.
Ao longo da rodovia, eles vendem de tudo: panelas
de barro, mariolas, enfeites para jardim de gosto duvidoso, água, bananas, pipocas,
biscoitos de polvilho, redes de dormir. Debaixo do sol escaldante, eles exibem
suas mercadorias. Minha vida e a deles são dois pontos totalmente distantes. Olho
aqueles rostos sabendo que nunca mais os verei, e eles me olham de volta.
A estrada se estende diante de nós. Passamos por
trechos onde as casinhas são melhores – as portas e janelas são feitas de
alumínio galvanizado, e tem até quintalzinho com cerca. Mas apesar do capricho,
fico pensando no quanto a vida dessas pessoas é sacrificada, no quanto elas
devem trabalhar em locais longínquos, as conduções que precisam tomar para
chegar ao trabalho e depois novamente em casa. Eu olho as ruazinhas paralelas que
se estendem mato adentro. Algumas, de chão de terra, desaparecem entre a
poeira, o calor, o matagal e as colinas. Lá longe, quase se perdendo de vista,
às vezes dá para ver que existe uma
cidade, pois há telhados e prédios baixos. Apesar do ar condicionado do carro,
o sol bate nas pernas. Faz calor, calor, calor.
Ele me pede um gole d'água, e eu estendo a
garrafa. “Estamos quase chegando à BR. Preste atenção nas placas.” A apenas
algumas horas fica a nossa casa. Nosso paraíso verde nas montanhas.
Mas há um engarrafamento, e precisamos ir mais
devagar. Uma longa fileira de carros brilhando ao sol na nossa frente. A cor do
ar é cinza. O céu azul é encoberto por uma camada de poluição. Os prédios e
casas em ruínas estão pichados, e as janelas, quebradas. As ruas paralelas são
escuras e desertas, e me fazem pensar que talvez o inferno seja assim, uma
estrada de asfalto quente bem no meio do nada.
As pessoas esperam nos pontos de ônibus, os
rostos desanimados. Algumas mulheres carregam sombrinhas. Pessoas passam em suas bicicletas que deslizam sob o
sol. Penso: como eles conseguem, meu Deus?
Ali, uma pequena escola. Um condomínio de
prédios que tem até piscina bem ali, no meio daquela feiura. Fábricas,
mercados, uma universidade em construção. O rei dos móveis. O rei dos autos. O rei
das plantas. O rei das carnes. Depois, um trecho de estrada reta, reta, reta,
até cansar. Nada em volta, a não ser o mato seco pronto para pegar fogo. O calor
parece querer nos agarrar, e aceleramos.
Penso que não suportaria viver em um lugar tão
quente e tão poluído. Sou do mato. Sou do frio das montanhas. Talvez aquelas
pessoas pudessem pensar da mesma forma se vissem onde moramos: “Como eles
conseguem viver no meio dessa friaca? Deus me livre! Olhem, não tem um
supermercado pertinho! E essa chuva toda, que horror!”
Finalmente, vemos a placa: “Petrópolis.”
Suspiramos, aliviados. A subida da serra está a apenas alguns minutos. Apesar de
fazer calor também, é um calor diferente, que não sufoca, que não ameaça. Um calor
verde. Tem cheiro de plantas, de água escorrendo, e o céu é azul brilhante. Cigarras
acompanham a nossa subida. Pássaros e saguis parecem comemorar a nossa chegada.
E quando passamos pelo centro da cidade, uma tempestade de verão desaba,
aguando tudo, refrescando as plantas, e percebemos que o termômetro do carro
desceu 14 graus desde que começamos a nossa jornada.
Lar, doce lar. Não, isso não é um cliché. Mas se
for, é o melhor cliché do mundo.
Linda crônica e como é bom voltar para casa quando em meio da natureza nos sentimos bem! É incrível a diferença das cidades grandes para as pequenas! beijos, linda semana! chica
ResponderExcluirOlá.
ResponderExcluirQue bela narrativa sobre o tema! Gostei muito. É assim mesmo. Quando viajo pelas "BR" da vida, também fico a observar todo esse cenário que você tão bem descreveu.
Petrópolis eu conheço mas só fui aí uma vez e fiquei hospedado no SESC. Gostei muito da cidade imperial, pareceu-me um bom lugar para se viver, ainda mais quando se vive na loucura agitada que é o Rio de Janeiro.