O homem tem um lado da frente e um lado de trás. É claro, todos queremos mostrar uma bela frente e manter tudo mais lá atrás. Tentamos mostrar uma bela frente; esta é a razão pela qual temos problemas. Na verdade, não há frente ou costas na verdadeira vida. Deveríamos viver como as folhas do bordo, mostrando tanto a frente quanto as costas. Frente é frente, e a parte de trás é a parte de trás, mas não há superioridade em qualquer lado. Ambos são verdadeiros. (...) Tão logo pensamos: "Este lado é melhor para ser mostrado ao público. Aquele deveria ser escondido", então temos problemas. Uma vida budista é uma vida de tal honestidade. Não há frente nem costas. Uma vida verdadeira é totalidade.
John May é um simples funcionário público inglês, sem família e sem amigos, cujo trabalho consiste em tentar encontrar amigos ou familiares de pessoas que morreram sozinhas. Ele tem um grande coração e muito respeito pelas pessoas, e por isso, tenta saber um pouco mais a respeito delas a fim de escrever um obituário decente. E ele o faz com competência, mesmo sem jamais tê-las conhecido em vida, cuidando também dos seus velórios, cremações ou sepultamentos – aos quais ele assiste respeitosamente, sempre sozinho, pois nas raras vezes em que ele consegue contatar algum parente ou conhecido do morto, estes não demonstram qualquer interesse em comparecer ao velório.
Após dedicar-se por 22 anos ao seu trabalho, John May recebe a notícia de sua demissão, e sente-se perdido; passa a pensar em sua vida solitária, e acredito que talvez descubra que ele mesmo poderá ter um fim igual ao das pessoas cujos parentes ele tenta encontrar. Mas seu último caso – Billy Stoke, um homem que morava em frente à sua janela, mas que ele não conhecia, faz com que sua vida mude de rumo.
Um filme sem grandes sobressaltos, mas com um significado profundo, verdadeiro e poético. O final, surpreendente, dá à história sempre cinzenta uma nova tonalidade, mais colorida e absolutamente comovente.
Aqui termina a resenha.
VISÃO PESSOAL SOBRE O TEMA
Fiquei pensando no quanto muitos de nós são como aquelas pessoas que morrem sozinhas em seus apartamentos sem que ninguém saiba ou se importe, a não ser quando os corpos começam a exalar mau-cheiro. Indo um pouco mais profundamente, penso na inutilidade de todos os velórios, tanto para os mortos quanto para os vivos. Considero-os uma tradição cruel e dolorosa para os poucos que realmente amaram o morto, e uma espécie de circo para a maioria dos que comparecem. Para mim, não fará a menor diferença se eu tiver um, e se tiver, o número de pessoas que comparecerem também não fará a menor diferença. Quando deixamos esta vida, deixamos para trás tudo o que ficou nela, quer haja uma vida após esta ou não. Como disse um dos personagens, “Os velórios não são para os mortos: são para os vivos, e quando não há nenhum vivo que tenha algum interesse em acompanhá-lo, para quê prepará-los?”
Daí a não-necessidade de tanto orgulho, desejo de poder, fama, autoafirmação ou reconhecimento, se aquilo que realmente somos não interessa a mais ninguém, a não ser a nós mesmos, e mesmo assim, muitos passam por esta vida sem sequer atinar para esta questão do autoconhecimento, saindo dela como chegaram: totalmente alheios. Para mim, aqueles que se tornaram célebres por algum motivo que não tenha sido apenas a vaidade, vieram com uma missão importante, embora muitos a percam pelo caminho. São como faróis para os outros, mas sua missão mais importante sempre terá mais a ver consigo próprios do que com os outros.
Viver bem é trocar-se por alguma coisa. Alguns dedicam-se a causas humanitárias, e é triste perceber o quanto a maioria destas pessoas apenas visem o reconhecimento público pela sua ‘bondade’ e ‘solidariedade.’ Outros, dedicam-se à família, ou aos amigos, e até mesmo a eles mesmos, o que, visto através de um ponto de vista menos preconceituoso, pode ser a missão da maioria das pessoas, e isto não significa que elas sejam egoístas; quem saberá, com certeza, qual a verdadeira missão de alguém, e por que esta missão não pode estar centralizada na própria pessoa? Nem todos estamos aqui para sermos avatares, profetas ou salvadores. Quem sabe, salvando a nós mesmos e estendendo a mão aos que estão mais próximos, ao nosso alcance – considerando que todos fizéssemos isto – o mundo não daria um salto evolutivo?
Alguns buscam suas respostas nos grandes filósofos e sábios, e outros, de forma mais simples, acabam descobrindo-as sem fazerem perguntas, através da simples observação da natureza e das próprias experiências – ou seja, cuidando da própria vida! Existe um significado profundo no viver, e conforme os anos avançam sobre mim, mais eu percebo este fato. Igualmente percebo que este significado é muito pessoal, e que convivemos uns com os outros não para apontá-los e criticá-los, velada ou publicamente (embora muitas vezes o façamos), mas para tê-los como um espelho às nossas atitudes. Aquilo que desperta a minha repulsa pelo outro, eu não devo praticar – caso contrário, serei um hipócrita.
Existe hoje em dia uma sede pela felicidade, como se ela fosse um prêmio a ser alcançado, e quem conseguir demonstrá-la mais convincentemente, será o vencedor. Parece que o objetivo das pessoas é terem um velório concorrido, no qual haja muitas pessoas chorando, tirando “selfies” na frente do caixão e publicando os pêsames nas redes sociais. Quantas curtidas serão possíveis? Acho isto bem mais mórbido do que o simples compartilhamento de uma imagem – como a do garotinho afogado – dentro de um contexto que faça sentido e que expresse os verdadeiros sentimentos de alguém a respeito do mundo em que vivemos.
Para mim, velório nenhum seria o ideal. Quando eu morrer, quero ser totalmente esquecida e deixada em paz. Melhor morrer sozinha a morrer cercada de abutres.
Quando eu era pequena e não sossegava, minha mãe bradava: "Você parece que tem bicho carpinteiro! Não para o dia inteiro, não para o dia inteiro!" Ela estava cantando a letra de uma antiga marchinha de carnaval.
Na verdade, eu era uma criança quieta. Ela sempre dizia que nem parecia que tinha criança em casa.
Em relação à casa, gosto de mudar feito bicho carpinteiro que não para o dia inteiro. Troco móveis de lugar, cortinas, quadros, cores nas paredes, almofadas, colchas... depois, eu me sento e fico curtindo as mudanças. Por um tempo, estará bom...Mas chega novamente o dia em que eu olho em volta e penso: "Enjoei!" E lá vou eu de novo... e a cortina da sala vai parar no quarto, e as capas das almofadas são trocadas, e o sofá muda de lugar. Meu marido chega em casa e diz: "Acho que errei de endereço de novo."
Mas isso não acontece apenas em relação à casa; gosto também de trocar meu estilo de vestir. Tenho fases de cores, ou seja, períodos em que olho em meu armário e a maioria das coisas são verdes, ou pretas, ou azuis. Às vezes tenho mais vestidos do que calças compridas, e então, vice-versa.
Será que tem cura?
Acho que sigo uma tendência que é mundial, ou seja, a fugacidade. Hoje em dia, as pessoas mudam muito, o tempo todo: elas mudam de endereço, mudam de emprego, de carro, de relacionamento, de computador, de telefone... tudo é muito rápido e impermanente. Não sei se isso é bom ou ruim. Existem certas coisas que não desejo mudar nunca em minha vida, e se for possível, ficarei com elas até morrer, mas as mais superficiais, eu estou sempre mudando. Consumismo? Talvez... Mas acho que está tudo bem em consumir, desde que não nos deixemos ser consumidos.
Esta é uma pergunta difícil de responder, pois a felicidade é algo diferente para cada pessoa. Alguns passam a vida em uma busca incansável por esta personagem de mil faces, e estão tão concentrados em encontrá-la, que acabam não a vendo passar bem diante de seus narizes nas várias oportunidades em que cruzam com ela. Outros, mesmo diante das coisas mais tristes, conseguem erguer os olhos de repente de suas dores, e mesmo que por um breve instante, capturam nas retinas a sua passagem.
Não acredito em felicidade escandalosa; isto é alegria passageira. A felicidade não é de falar muito de si, nem sente necessidade de propagandear a si mesma. Ela não cabe nas fotografias, e nem sempre está em um sorriso – que muitas vezes pode ser falso. A felicidade é tão simples, que abomina a perfeição. Ela é fugaz quando intensa, e duradoura quando leve. Mesmo assim, fugaz ou duradoura, toda felicidade é válida.
Eu às vezes olho pela minha janela e a vejo brincando com meus cães no quintal, enquanto eles correm um atrás do outro ou disputam um brinquedo ou um graveto. Noutras vezes, eu a sinto quando acordo de manhã e vou até a minha varanda, e ao olhar a paisagem, sinto que um sorriso se desenha bem de leve, e quando o percebo... ela já se foi. Mas volta sempre, várias vezes ao dia, enquanto ao fazer o meu trabalho, eu e meus alunos rimos juntos por algum motivo. Ou então quando eu tiro um bolo do forno, e ele não murcha, ou quando o macarrão não gruda. Ela – a felicidade – me visita todas as noites, quando escuto uma certa chave na fechadura da sala.
Assim como acontece com todas as pessoas, já passei por muitas coisas tristes na vida. Algumas delas foram tão intensamente tristes, que eu cheguei a pensar que jamais me recuperaria. E eu fiz questão de ir ao fundo de todas elas, lá, onde a tristeza é mais escura, mais densa e mais profunda. Não tentei ‘ficar feliz’ ou ‘parecer feliz’ só para não chocar os outros ou para agradar as visitas. Nunca fugi da minha tristeza. Sentei-me com ela em silêncio até que ela me ensinasse que ela é apenas a irmã gêmea da alegria, e como disse Gibran, “Quando estiverdes alegres, olhai no fundo de vosso coração e achareis que o que vos deu tristeza é aquilo mesmo que vos está dando alegria. E quando estiverdes tristes, olhai novamente no vosso coração e vereis que, na verdade, estais chorando por aquilo mesmo que constitui vosso deleite.”
Certa vez, há alguns anos, quando eu estava intensamente triste, uma pessoa tentou me alegrar. Convidou-me para ir à sua casa. Aceitei o convite, pensando que talvez ela estivesse me oferecendo um ombro amigo, uma oportunidade para falar sobre a minha perda e a minha tristeza. Mas ao chegar lá, tudo o que encontrei foi uma pessoa desesperada em contar piadas e conversar amenidades para disfarçar o que me afligia, concentrada em não deixar nenhuma brecha para que o assunto viesse à tona. Na única vez em que tentei tocar no assunto, ela ouviu com um sorrisinho sem-graça e arrematou: “Mas agora não é hora de falar em tristezas.” Notei que daquela forma torta e insensível, ela estava tentando me alegrar, como se fosse possível arrancar a dor com a mão e sufocar sua voz com palavras forçadamente alegres. Permaneci calada a noite inteira, até a hora de ir embora, mas não forcei nenhum sorriso, não participei de nenhuma conversa amena, não entrei naquele jogo social. Acho que não agradei minha anfitriã, e ela com certeza notou que também não me agradou.
A pior coisa que alguém pode fazer a alguém que passou por uma perda ou por uma grande tristeza, é tentar alegrá-lo. Se você tiver ouvidos para ouvir, coragem e um ombro amigo para oferecer, faça-o; senão, deixe-o em paz.
Mas, voltando à pergunta que me fez escrever este texto: Se eu sou feliz?
Sim. E não. Sou feliz e sou triste. Posso estar me sentindo feliz de manhã, e me sentindo triste no final da noite. Posso ficar uma semana inteira me sentindo nas nuvens, e de repente, a nuvem escurece, chove e eu caio lá de cima. Mas enquanto eu estou caindo, consigo observar a beleza da paisagem que se aproxima, contra a qual eu vou me esborrachar. E depois que eu caio, tenho sido capaz de levantar sempre. Por isso eu não acredito sempre na definição injusta que dão à bipolaridade. Ninguém é monopolar (se é que esta palavra existe; bem, se não existe, acabo de inventá-la como um oposto à palavra ‘bipolar.’). Nem a natureza é sempre igual! De repente, vemos um céu azul dar lugar a maior tempestade do século em menos de cinco minutos. E a natureza não fica preocupada em definir se ela é ou não é feliz. Faz sol quando tem que fazer sol, e chove quando tem que chover.
Eu também sou assim.
Encerro este texto (que já está longo demais) com outro pensamento de Gibran:
"Alguns dentre vós dizeis: "A alegria é maior que a tristeza," e outros dizem: "Não, a tristeza é maior."
Porém, eu vos digo que elas são inseparáveis.
Vem sempre juntas; e quando uma está sentada à vossa mesa, lembrai-vos de que a outra dorme em vossa cama."
Me perdoem por meus comentários breves; eu leio. Comentar, para mim, é difícil, pois eu temo cometer algum pecado ao dar uma interpretação pessoal demais. Às vezes, comento falando de mim, da maneira como o texto me afeta, pois é assim que sei melhor comentar. Não sei fazer comentários falando de gramática, estrutura poética, rimas e métricas, pois não entendo quase nada dessas coisas.
Para mim, aquilo que alguém escreveu é solo sagrado, e a gente deve entrar de mansinho, descalços, sem fazer muito ruído, sem atiçar fogo à sarça, e isto foi algo que aprendi após alguns deslizes. Leio, e penso sobre aquilo que li; se acho que posso concordar ou discordar sem ofender ninguém, eu o faço. É muito difícil dar uma opinião sobre alguma coisa que alguém escreveu, pois não temos à mão o contexto daquilo, o momento em que foi escrito, a fonte da inspiração. Não sabemos de onde vêm o sangue, a lágrima ou a água onde a pena foi molhada.
Quando eu escrevo, eu solto e deixo ir; não é mais meu. Pertence a quem ler, a quem interpretar dentro de qualquer contexto; escrevo por mim mesma, mas para quem lê. Mas algumas pessoas não são assim: escrevem para assinarem o nome por cima, obter alguma notoriedade, numa tentativa de deixarem suas marcas no mundo. Vivem numa paranóia obsessiva de estarem sendo plagiados. Já eu não tenho mais esse tipo de ilusão. Escrevo para passar o tempo, porque é divertido e agradável, e porque me ajuda a me descobrir.
Às vezes eu vejo filmes que foram feitos em países como a Itália ou a Irlanda, e presto atenção nas casas antigas que existem por lá. Elas são mantidas com sua arquitetura original. Pode ter um quebradinho na parede, ou a tinta da janela descascando. Os móveis são antigos, e o portões, de tão velhos, rangem ao serem abertos.
Penso na casa de meus pais, onde cresci. Já era velhinha quando eu nasci, acredito que ela tenha mais de cento e cinquenta anos, quem sabe... nunca foi muito reformada. As casas também envelhecem, e acho que quando isso acontece, os moradores devem manter sua estrutura original ao reformá-las, sem modificar a fachada ou a disposição dos cômodos. As casas são como nós: trazem sua história escrita nas paredes, e quando a reforma é radical demais, toda ela é apagada para sempre.
Gosto da ação do tempo sobre as coisas; é o wabi-sabi agindo. Para quem não sabe o que é o wabi-sabi, a Wikipedia explica:
"Wabi-sabi (侘寂?) representa uma abrangente visão de mundo japonesa, uma visão estética centrada na aceitação da transitoriedade e imperfeição. Esta concepção estética é muitas vezes descrita como a do belo que é "imperfeito, impermanente e incompleto". Uma idealização artística desenvolvida por volta do século XV no Japão, durante o período Muromachi, com bases nos ideais do zen budismo. É um conceito derivado dos ensinamentos budistas das três marcas da existência (三法印, sanbōin?), nomeadamente anicca (impermanência), as outras duas sendo dukkha (sofrimento) e anatta (não-eu).
As características estéticas do wabi-sabi incluem assimetria, aspereza (rugosidade ou irregularidade), a simplicidade, a economia, a austeridade, a modéstia, a intimidade e a valorização da integridade ingenua de objetos e processos naturais.
O wabi-sabi é a apreciação estética do despojamento, utilizada por Sen no Rikyu na cerimónia do chá. Refere-se ao viver uma vida comum com o despojamento, com a insuficiência ou com a imperfeição, e está relacionado às doutrinas de desapego do Zen budismo. Estes conceitos estão representados na produção artística através do rústico, do imperfeito, do monocromático e do aspecto natural. Através de wabi e sabi é possível o alcance do vazio da mente que traz tranquilidade. wabi significa "quietude" e sabi "simplicidade", e expressam-se através da querença que os japoneses possuem por simplicidade e subtileza."
Acho bonitas as marcas do tempo em uma casa. Adoro caminhar por casas antigas, sentí-las, conversar com elas em silêncio e imaginar suas histórias.
"Quando os japoneses consertam objetos, eles destacam os danos enchendo as rachaduras com ouro. Eles creem que quando algo sofre um dano e tem uma história, ele se torna mais belo."
Esta resenha não é bem uma resenha; na verdade, ela é o relato de um reencontro entre amigos. Vou explicar melhor: li este livro pela primeira vez quando tinha doze anos de idade. Fiquei fascinada pelos história, e minha mente de pré-adolescente, que se impressionava com muita facilidade, apaixonou-se pelos personagens. Eu também queria conhecer pessoalmente Boo Radley, o recluso que morava próximo da casa dos Finch. Desejei poder ser amiga de Jem e Scout Finch, as crianças curiosas das quais Calpúrnia, a criada negra, ajudava Atticus Finch a cuidar. Eu quis viver naqueles conturbados anos da Primeira Guerra, durante os quais aquelas pessoas viviam.
Eu era apenas uma criança, e tive que reler várias passagens para poder compreender melhor o que estava acontecendo na história, pois não estava familiarizada com julgamentos ou com certos conceitos e termos. Hoje, eu sei que o foco principal da história foi o fato de um advogado branco defender um homem negro acusado de estupro, e isto, no Alabama, onde reinavam o preconceito e a Ku-klux Klan. Mas, naquela época, o meu foco eram as crianças e suas aventuras. Confesso que desenvolvi uma paixonite por Boo Radley, e cheguei até mesmo a sonhar com ele uma noite.
Ao terminar de ler o livro, tive que devolvê-lo, pois não me pertencia, e foi como despedir-me de pessoas reais das quais eu tinha aprendido a gostar muito, e eu o fiz com grande pesar. Durante anos, tentei adquirir um novo exemplar em sebos e mais tarde, pela internet, mas só consegui há um mês, na livraria virtual da amazon. com. Encomendei a edição de papel, pois queria ter a mesma sensação que tive ao ler o livro pela primeira vez.
Estava um pouco apreensiva; será que ao reler o livro, agora como uma mulher adulta, eu perceberia que era apenas mais um livro? A magia da primeira leitura teria sido apenas fruto da imaginação fértil de uma criança?
No filme de 1962, Robert Duval interpretou Boo Radley...
Finalmente, o livro chegou, e assim que pude, comecei a lê-lo. Mal o tinha aberto, e parecia ter entrado nas páginas e reencontrado velhos amigos, dos quais eu me lembrava com saudade, e abracei-os um a um. A minha paixonite, desta vez, não foi por Boo Radley, mas por Atticus Finch, o advogado que defendeu Robinson. As crianças, que permaneceram crianças, despertaram-me uma ternura diferente, e finalmente, pude compreender Tia Alexandra e sua quase obsessão em proteger Scout e Jem. Eu não gostara muito dela na primeira leitura.
...E Gregory Peck ficou com o Oscar de melhor ator interpretando Atticus Finch
Ao terminar o livro, agora com uma compreensão bem mais abrangente de tudo o que o autor tentou mostrar, fiquei feliz ao perceber que a magia não morreu: pelo contrário, ela aumentou, ganhando novos significados.
O Sol é Para Todos é um livro que deveria ser lido por todo mundo, crianças e adultos, e debatido em salas de aula e grupos de leitura. Ele ensina a compreensão, a reflexão e a tolerância, num mundo onde todas as conclusões são tomadas rapidamente e sem maiores considerações. Ele ensina o valor da amizade, dos bons vizinhos e da gratidão. Desnecessário dizer que é uma linda história, mas direi assim mesmo.
Desde que compramos nossa casa, há onze anos, há uma outra quase em frente a nossa que está vazia desde antes de nos mudarmos, e nem sei dizer há quanto tempo. Os donos não são de Petrópolis, e raramente aparecem; quando vêm (mais ou menos duas vezes por ano), abrem as janelas, espanam teias de aranha e vão embora rapidamente.
A casa tem uma fachada feia: dois andares quadrados e sem-graça, ela é enfei(t)ada por azulejos. A garagem não passa de um telheiro quadrado suportado por quatro pedaços de madeira. Mesmo assim, eu sempre olhei para a casa com muita curiosidade, pois adoro casas antigas. Esta parece ter sido construída nos anos sessenta ou setenta.
Comentei há alguns anos com meu vizinho Jorge, que de vez em quando ajuda-nos a resolver pequenos problemas domésticos, sobre minha vontade de entrar na casa. Ele respondeu: "É uma casa muito boa! Grande, espaçosa mesmo."
Eu às vezes ficava da minha janela, olhando para ela lá do outro lado da rua. Pensei: parece até uma casa assombrada. Depois que meu vizinho me disse que era uma casa boa, fiquei mais curiosa ainda, embora fosse difícil conceber que a feiosa fosse também jeitosa.
Na semana passada, ouvi meu vizinho chamando-me ao portão: "Dona Ana, estamos trabalhando na casa. Quer conhecer?" Não me fiz de rogada, e matei minha curiosidade!
E não é que a feiosa é jeitosa mesmo?
Fiquei impressionada com a sala de estar, logo de cara: grande, bem maior que a minha, chão de tábuas corridas, e as escadas que levam ao andar superior tem um lindo corrimão de madeira trabalhada, sólido e grosso. A cozinha é pequena, mas muito ajeitada. No andar superior, após um hall que mais parece outra sala, três quartos e um banheiro. Os quartos não são muito grandes, mas ao chegar às janelas, deslumbrei-me com uma linda vista de árvores e montanhas!
Na suíte do andar inferior, descobri uma velha rádio-vitrola que eu adoraria que fosse minha, e nos fundos da casa, escadinhas que conduziam a um platô gramado, onde imaginei banquinhos e uma mesinha de jardim com cadeiras. Olhei para cima, e lá estava a floresta e toda a sua força verde! Um quintal de fundos que dá para uma floresta, para mim é um luxo só!
Fiquei andando pela casa, imaginando como ela poderia ficar depois de algumas reformas. O cheiro de mofo não me espantou, nem alguns dos móveis quebrados e algumas janelas com vidros rachados nos fundos da casa. Quando eu olho para uma casa, eu vejo além do que ela mostra. Se não fosse assim, nem teria comprado esta aqui... estava em péssimo estado quando a adquirimos. Ah, se eu pudesse, comprava a casa. Adoraria reformá-la, embelezar a fachada feia e sem-graça, decorá-la...
As aparências realmente enganam, e esta casa parece estar aqui para comprovar esta teoria.