Alguns poemas e pensamentos de Jorge Luis Borges
A CHUVA
A tarde bruscamente se aclarou,
porque já cai a chuva minuciosa.
Cai e caiu. A chuva é só uma coisa
que o passado por certo frequentou.
Quem a escuta cair já recobrou
o tempo em que a fortuna venturosa
uma flor lhe mostrou chamada rosa
e a cor bizarra do que cor tomou.
Esta chuva que treme sobre os vidros
alegrará nuns arrabaldes idos
as negras uvas de uma parra em horto
que não existe mais. A umedecida
tarde me traz a voz, a voz querida
de meu pai que retorna e não é morto.
"Fazer o bem ao teu inimigo pode ser obra de justiça e não é árduo; amá-lo, tarefa de anjos e não de homens."
O SUL
De um dos teus pátios ter olhado
as antigas estrelas,
e do banco da sombra ter olhado
essas luzes dispersas
que a minha ignorância não aprendeu a nomear
nem a ordenar em constelações,
ter sentido o círculo da água
na secreta cisterna,
o cheiro do jasmim, da madressilva,
o silêncio do pássaro a dormir,
o arco do saguão, a umidade
- essas coisas talvez sejam o poema.
"Nunca releio o que escrevo. Prefiro viver em função do futuro."
Por vezes à noite há um rosto
Que nos olha do fundo de um espelho
E a arte deve ser como esse espelho
Que nos mostra o nosso próprio rosto.
"Eu não falo de vingança nem de perdão, o esquecimento é a única vingança e o único perdão."
VIVER A VIDA
"Se eu pudesse novamente viver a vida...
Na próxima...trataria de cometer mais erros...
Não tentaria ser tão perfeito...
Relaxaria mais...
Teria menos pressa e menos medo.
Daria mais valor secundário às coisas secundárias.
Na verdade bem menos coisas levaria a sério.
Seria muito mais alegre do que fui.
Só na alegria existe vida.
Seria mais espontâneo...correria mais riscos, viajaria mais.
Contemplaria mais entardeceres...
Subiria mais montanhas...
Nadaria mais rios...
Seria mais ousado...pois a ousadia move o mundo.
Iria a mais lugares onde nunca fui.
Tomaria mais sorvete e menos sopa...
Teria menos problemas reais...e nenhum imaginário.
Eu fui dessas pessoas que vivem preocupadamente
Cada minuto de sua vida.
Claro que tive momentos de alegria...
Mas se eu pudesse voltar a viver, tentaria viver somente bons momentos.
Nunca perca o agora.
Mesmo porque nada nos garante que estaremos vivos amanhã de manhã.
Eu era destes que não ia a lugar algum sem um termômetro...
Uma bolsa de água quente, um guarda chuvas ou um paraquedas...
Se eu voltasse a viver...viajaria mais leve.
Não levaria comigo nada que fosse apenas um fardo.
Se eu voltasse a viver
Começaria a andar descalço no início da primavera e...
continuaria até o final do outono.
Jamais experimentaria os sentimentos de culpa ou de ódio.
Teria amado mais a liberdade e teria mais amores do que tive.
Viveria cada dia como se fosse um prêmio
E como se fosse o último.
Daria mais voltas em minha rua, contemplaria mais amanheceres e
Brincaria mais do que brinquei.
Teria descoberto mais cedo que só o prazer nos livra da loucura.
Tentaria uma coisa mais nova a cada dia.
Se tivesse outra vez a vida pela frente.
Mas como sabem...
Tenho 88 anos e sei que...estou morrendo."
"Todos os caminhos levam à morte. Perca-se."
Não és os Outros
Não há-de te salvar o que deixaram
Escrito aqueles que o teu medo implora;
Não és os outros e encontras-te agora
No meio do labirinto que tramaram
Teus passos. Não te salva a agonia
De Jesus ou de Sócrates ou o forte
Siddharta de ouro que aceitou a morte
Naquele jardim, ao declinar o dia.
Também é pó cada palavra escrita
Por tua mão ou o verbo pronunciado
Pela boca. Não há pena no Fado
E a noite de Deus é infinita.
Tua matéria é o tempo, o incessante
Tempo. E és cada solitário instante.
"Dá o santo aos cães, atira as tuas pérolas aos porcos; o que importa é dar."
O Remorso
Cometi o pior desses pecados
Que podem cometer-se. Não fui sendo
Feliz. Que os glaciares do esquecimento
Me arrastem e me percam, despiedados.
Pelos meus pais fui gerado para o jogo
Arriscado e tão belo que é a vida,
Para a terra e a água, o ar, o fogo.
Defraudei-os. Não fui feliz. Cumprida
Não foi sua vontade. A minha mente
Aplicou-se às simétricas porfias
Da arte, que entretece ninharias.
Valentia eu herdei. Não fui valente.
Não me abandona. Está sempre ao meu lado
A sombra de ter sido um desgraçado.
"Apaixonar-se é criar uma religião que tem um deus falível."
Biografia de Jorge Luís Borges:
Jorge Luís Borges (1899-1986) foi um poeta escritor argentino, considerado uma das maiores expressões literárias de seu país.
Jorge Luís Borges nasceu em Buenos Aires. Sua família viajou para a Suíça em 1914, onde passou a viver até 1919, quando foi viver em Madrid.
De volta à Argentina, começou a publicar poemas de inspiração surrealista. Seu primeiro livro foi “Fervor de Buenos Aires” (1923). Em 1938, tornou-se bibliotecário para ganhar a vida. No mesmo ano, morreu seu pai e sofreu uma lesão que quase o levou
à morte.
Em 1943, publicou uma das suas maiores obras: “O Aleph”, considerado pelo crítico Harold Bloom como uma das maiores obras literárias do ocidente. Na obra, Borges sugere imagens e espelhos onde o real confundia-se com a realidade.
Com a chegada de Juan Peron ao poder, Borges foi demitido e obrigado a sustentar-se com ajuda de amigos, que o indicaram para conferências e palestras. Em 1955, foi nomeado diretor da Biblioteca Nacional.
A cegueira que lhe acometeu fez com que Borges vivesse em reclusão durante boa parte do fim de sua vida.
Leitor voraz, lecionou literatura inglesa na Universidade de Buenos Aires. Borges foi considerado um dos maiores especialistas da língua inglesa da América Latina.
Casou-se aos 86 anos com sua secretária Maria Kodama. Outras obras poéticas importantes de Borges: “Luna de Enfretante” (1925), Cuaderno de São Martin (1929), Poemas (1922-1943), só para citar algumas. As obras de prosa, vale a pena ressaltar: “Inquisiciones” (1925), “História da Eternidade”(1936), “El jardín de senderos que se bifurcan” (1941).
Borges faleceu em 1986, aos 86 anos, em Buenos Aires.