Sob o teu nome, eu li: "In Memoriam." Lembrei-me do teu riso solto e fácil. Coisas boas me vieram à cabeça, e também, as piores coisas.
Lembrei-me de você pequeno, correndo pela casa com seus primos, andando de bicicleta no quintal, fazendo manha, gargalhando. Lembrei-me de você com o uniforme da escola, e nas festinhas de aniversário. Revi fotografias onde ficou guardado o teu sorriso, e a tua presença entre os amigos. Era sempre tão difícil encontrar uma foto na qual você estava só!
Lembrei-me de você durante as suas aulas de inglês, aos sábados de manhã, quando você e a Dani vinham juntos, e das conversas depois da aula, quando descíamos a rua à pé, falando dos planos para um futuro que não aconteceu.
As coisas boas de se lembrar logo foram sendo substituidas pelo que vivemos nos teus últimos dias.
Lembrei-me daquele último ano novo, do quanto foi difícil festejar, tentar encontrar algum motivo para sorrir, sabendo que aquele era o teu último ano novo. Lembrei-me daquele telefonema, o último que você me fez, numa sexta-feira de manhã, aos prantos: "Tia, eu não estou bem. Estou com muita raiva." Eu, daqui, não sabia o que dizer para te consolar, então, eu disse: "Chore, coloque tudo isso para fora. Soque um travesseiro, mas não guarde essa raiva." E você respondeu, já rindo: "Mas tia, eu já estou todo ferrado, e se eu for socar um travesseiro e me ferrar mais ainda?"
Desliguei o telefone rindo, mas só Deus sabe como eu me sentia.
Vi a mim mesma agarrada àquele par de muletas, na recepção do hospital, chorando em público como eu jamais havia feito na vida. Ouvi novamente o toque do telefone naquela terça-feira de janeiro, a pior de minha vida. Ouvi os passos do meu marido descendo devagar as escadas, e parando antes de chegar ao final. Ouvi-o chamar meu nome, e ao olhar nos olhos dele, eu soube.
Vi teus amigos escrevendo mensagens de adeus com tinta branca sobre a madeira escura.
Voltei agora ao teu nome, escrito no trabalho de faculdade que teus amigos vieram trazer para mostrar à sua mãe, tanto tempo depois. Sob, está escrito: "In Memoriam." E mesmo depois de tanto tempo, eles não te esqueceram; vieram de tão longe para entregar este presente à sua mãe. Com certeza, eles sabem do quanto este trabalho foi importante para você. A pesquisa foi aceita por uma universidade dos Estados Unidos! E você terá seu nome nele para sempre, junto aos nomes de seus amigos.
O trabalho agora está aqui comigo, em minha casa, para que eu o traduza. Mas toda vez que abro o envelope, eu me lembro. Um dia, talvez eu consiga traduzi-lo.
Quando minha mãe estava no hospital, em seus últimos dias, eu chegava junto à cabeceira de sua cama, e embora soubesse ser improvável que ela me ouvisse, eu conversava com ela. Nos dois últimos dias - quando eu realmente percebi que ela não sairia de lá - eu pedi-lhe que, se houvesse alguma coisa 'do outro lado', ela desse um jeitinho de me avisar, me mandasse algum recado, sei lá.
Bem, na última sexta-feira, durante minha sessão de acupuntura (as luzes são apagadas, ouve-se barulhinho de uma fonte de água e música suave, pois a terapeuta cria um ambiente propício ao relaxamento) acabei adormecendo. Não a vi, mas ouvi a voz dela me dizendo: "Leia o salmo 23." Foi rápido. Durou menos que cinco segundos.
Cheguei em casa, e abri a Bíblia que ela me deu há muitos anos, e estava escrito (ela tinha marcado a passagem com um 'x' e o número '1', não sei o motivo:
Salmo 23
"O Senhor é meu pastor, nada me faltará.
Deitar-me faz em verdes pastos, guia-me mansamente a águas tranquilas.
Refrigera a minha alma.; guia-me pelas veredas da justiça, por amor do seu nome.
Ainda que eu ande pelas sombras do Vale da Morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam
Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos, unges a minha cabeça com óleo, o meu cálice transborda.
Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na casa do Senhor por longos dias."
A última frase foi a que fez mais sentido: "E habitarei na casa do Senhor por longos dias."
Não sei como a maldade pode brotar em alguém, mas o que eu sei, é que nenhuma pessoa nesse mundo está livre de ser abordado por ela, ou sequer, de perpetrá-la. Algumas vezes, a maldade age com a ajuda consciente de quem a faz, enquanto noutras, acaba-se atingindo, sem intenção, outras pessoas, a fim de se defender espaços, entes queridos e interesses.
Não acredito em quem se diz essencialmente bonzinho o tempo todo. Tenho visto que os bonzinhos são aqueles que adoram apontar os erros e 'maldades' alheias, colocando-se sempre em um pedestal, como se jamais houvessem caído ou cometido erros. Não são humanos: são deuses e anjos!
Ontem, passando por textos de outros autores em um site de escritores, deparei com um na qual a escritora - muito competente, por sinal - dizia que o mal não merece atenção em nenhuma circunstância. Sinto muito, senhora, mas vou discordar, e explicarei meus motivos:
Na segunda guerra mundial, quando milhões de judeus estavam sendo cruelmente exterminados, os bons preferiram não dar atenção ao mal; quando finalmente resolveram fazê-lo - apenas porque o mal estava tomando proporções exageradas e poderia atingi-los a qualquer momento - milhões já haviam perecido.
Nossa nação passou décadas ignorando o mal que acontece dentro do governo, entre aqueles que nos representam, e exatamente por isso, nosso país chegou ao ponto que chegou agora. Quantos morreram em filas de hospitais, quantos não tiveram a chance de terem seus direitos de cidadãos assegurados? Tudo porque as pessoas fizeram vista grossa ao mal.
De repente, sentimos um mal-estar, que ignoramos, e que se prolonga durante bastante tempo, até que, finalmente, decidimos procurar um médico, e já é tarde: o mal, em forma de doença, já tomou conta de nosso corpo.
Animais são torturados diariamente por adolescentes doentes, que depois postam fotografias e videos em redes sociais das cenas em que os torturam, amputam-lhe membros enquanto eles ainda estão vivos, decepam-lhes as cabeças. Sempre compartilho este tipo de coisa, pois acho que assim, será mais fácil que estas pessoas sejam identificadas e punidas, evitando que outros animais passem horas sendo torturados por eles.
Alguém que nos observa decide infiltrar-se em nossa casa, ou em nosso espaço, a fim de tomar conclusões errôneas a nosso respeito e espalhar por aí estas conclusões, e nada fazemos, pois fomos ensinados a não reagir a esse tipo de ataques, ignorando aqueles que nos atingem; seguimos a velha máxima de que "quem não deve, não teme." De repente, nossa reputação está tão defasada, que muitas pessoas passam a acreditar naquilo que disseram de nós. É muito fácil destruir alguém que levou anos levando uma vida honesta, pois ouvidos não faltam a esse tipo de coisa, e nem mesmo bocas para repeti-las.
De repente, pessoas que nos visitavam frequentemente passam a nos ignorar, e quando vamos visitá-las, descobrimos que as portas foram trancadas para nós, e nem há uma maneira de esclarecer a situação, já que elas preferiram acreditar em quem espalhou fofocas a nosso respeito. Já soube de histórias em que pessoas postavam comentários não identificados, assinando o nome de um autor, como se fosse realmente ele, e por isso, muitas portas se fecharam àquele autor, que de nada sabia.
E é normalmente nessas situações, que as pessoas 'bondosas' repetem: "Ignore! Releve! Perdoe! Deus está vendo todas estas injustiças." Ora, Deus não criou cordeiros, e sim homens! Se não reagirmos a esse tipo de coisa, logo nos tornaremos completamente invisíveis, pois este é o objetivo de quem persegue outra pessoa: exterminá-la.
Portanto, senhora, prefiro dizer que O MAL NÃO PODE, EM MOMENTO ALGUM, SER IGNORADO. Devemos identificá-lo sempre, fazendo o que for possível para que as pessoas que o praticam sejam identificadas e punidas.
"Somente aquele que foi o mais sensível pode tornar-se o mais frio e o mais duro, para se defender do mais pequeno golpe - e esta própria couraça lhe pesa muitas vezes."
"Ah, que diferença entre o juízo que fazemos de nós e o que fazemos dos outros!"
"Ingratidão é uma forma de fraqueza. Jamais conheci homem de valor que fosse ingrato."
"Muitos são orgulhosos por causa daquilo que sabem; face ao que não sabem, são arrogantes."
"Um grande erro: crer-se mais importante do que se é e estimar-se menos do que se vale."
"Coloca na cabeça perucas com cem mil cachos, / coloca nos pés coturnos de um braço de altura, /continuarás sempre a ser o que és."
"Qual o melhor dos governos? Aquele que nos ensina a governarmo-nos a nós próprios."
"Legisladores ou revolucionários que prometem simultaneamente a igualdade e a liberdade são sonhadores ou charlatães."