witch lady

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segunda-feira, 10 de abril de 2017

AGORA EU VOU FALAR DE AUSÊNCIA








Agora eu vou falar de ausência,
Pegue uma cadeira,
Apague as luzes,
Desligue o celular.

Escute o som do vento,
Que não para de soprar
No túnel da minha vida.
Escute os ecos fendidos
Dos passos que se afastaram,
Escute o trovão que ruge
Quando o coração se quebra
Se espatifando no chão!

Não tente me consolar,
Não tente dizer palavras
Pensadas na contramão
Que possam fazer sentido!
Só senta aqui e escuta, 
Me empresta esse par de ouvidos
Para que então tu me entendas,
Para que então compreendas
Quando eu te falo de ausência!

Não quero solidariedade,
Nem quero que sintas dó;
Só quero mostrar-te a ausência
Que ficou perambulando
Por esses meus corredores
Arrastando suas dores
Por onde antes se ouvia
O que o coração cantava,
Os passos de quem partia,
Os passos de quem chegava!

Agora eu vou falar de ausência,
Preciso que ouças bem,
Porque já estou cansada
De tanto explicar porque,
De tanto mostrar as pontas 
Do laço que foi cortado,
As pontas esfiapadas
Das fitas já desbotadas
Que já não prendem mais nada!

Porque ninguém se importou, 
Foi-se embora o que já tinha
Ido antes, só que antes
Ninguém nunca nem notou.
As palavras se calaram,
Porque ninguém mais falou,
As distâncias aumentaram
Porque naqueles caminhos
Ninguém nunca mais passou,
Porque não abriram a porta,
E as batidas ressoaram
E depois, caíram mortas.

Agora eu já falei de ausência.
Pode sair, vá embora,
Porque não me fazem falta
Presenças que se ausentaram
E ficaram para sempre
Por trás desse alto muro,
Palavras jogadas fora,
Que ficaram sem respostas,
A não ser pelo desprezo
Daquilo que foi doado
E não achou ressonância.

Falei de ausência e distância,
E então, agora eu me calo,
Porque não mais me interessa
Falar do quer que seja;
Pois meu coração conhece
Um sentimento que é raro,
Que não cabe no teu peito,
Pois teu coração furado
Deixou passar sem ser visto
E sem ser valorizado.

(É que às vezes, a distância
Entre as almas é tão grande,
Que nem a saudade a alcança).








#Eunãotenhogatos


Descobri quem é o dono, e o nome da gata: Baronesa





#EuNãoTenhoGatos

Eu ali, concentrada, dando minha aula. De repente, meu aluno indaga: "Ué, Ana... você tem gatos?" Eu olho para ele (eu estava escrevendo no quadro) e respondo, surpresa; afinal, aquela pergunta estava totalmente fora do contexto da aula: "Não! Por que?"  Ele aponta para a porta da sala de aula, e diz: "Porque tem um gato bem ali!"

Olho para fora, e vejo essa gatinha passeando pela minha sala de jantar. Logo a reconheci, pois numa noite em que meu marido ainda não estava em casa, ela me deu um baita susto: passei pelo corredor, e dei com aquela sombra sinuosa e silenciosa descendo as escadas. Eu me arrepiei até o último ossinho da coluna, e ela estancou entre um degrau e outro, me olhando, as pupilas dilatadas em estado de alerta. Esclarecida a situação, ainda ficamos ali paradas, nos olhando e testando nossas reações. De repente, eu sorri, e esfreguei os dedos da mão, chamando-a. Ela ergueu a cauda, e acabou de descer as escadas, ronronando, e veio para o meu colo.




Desde então, ela vem me fazendo visitas frequentes. Quando havia uma moça aqui me ajudando na limpeza, chego na varanda e a vejo sentada naquela posição de iogue, olhando a moça limpar as vidraças da porta. Explico que ela não é minha, e ela diz: "Pensei que fosse! Está aí há algum tempo, me vigiando..." Quando olhei de novo, ela já tinha ido embora.




É bom tê-la aqui de vez em quando, sabendo que ela logo vai embora. Mas ela nunca tinha se deitado na cama do quarto de hóspedes antes. Pelo menos, não que eu tenha visto. E está chovendo muito lá fora; como eu poderia abrir a janela e mandá-la sair, debaixo desse aguaceiro? Seria cruel. E ela sabe disso. Já percebeu que pode me manipular. 




Só espero que ela seja castrada - tem dono, pois está muito bonitinha e bem tratada. Se ela não for, tomara que não venha trazer bebês para eu cuidar.

Não quero ter netos.





O VERMELHO E O NEGRO






Trechos de O Vermelho e o Negro, de Stendhal, um dos romances mais maravilhosos que já tive o prazer de ler e reler, e do qual me desapeguei há alguns dias. Ficam aqui algumas lembranças.




"Mas as verdadeiras paixões são egoístas"




"O meu Julien, ao contrário, somente gosta de agir sozinho. Nunca passou pela ideia dessa criatura privilegiada procurar apoio e socorro nos outros! Ele despreza os outros, e é por isso que eu não o desprezo. Se apesar da sua pobreza, Julien fosse nobre, meu amor não passaria de uma tolice vulgar, de uma péssima aliança desigual; eu não o desejaria; ele não teria o característico das grandes paixões: a imensidão da dificuldade a vencer e a negra incerteza do êxito."



 "J.-J. Rousseau não passa, para mim, de um tolo, quando se põe a julgar a alta sociedade; ele não a compreendia, e nisso tinha uma alma de lacaio parvenu."




"Não tenho 20 luíses de renda por ano e encontrei-me lado a lado com um homem que tem 20 luíses de renda por hora, e ainda assim riam dele... Um espetáculo como esse cura a gente da inveja."



"Qual é a grande ação que não parece extremada no momento em que a empreendem? Só quando foi cumprida é que parece possível às pessoas comuns."




"A vida de um homem era uma série de acasos. Agora a civilização expulsou o acaso, não há mais o imprevisto: se aparece nas idéias, não lhe poupam epigramas; se aparece nos acontecimentos, covardia alguma está acima de nosso medo. Seja qual for a loucura que nos leve a fazer, é desculpada. Que século degenerado e enfadonho!"




"Não, ou estou louco ou ela me faz a corte; quanto mais me mostro frio e respeitoso com ela, mais me procura. Isso poderia ser uma parcialidade, uma afetação;mas vejo seus olhos se animarem quando apareço de improviso. Saberão as mulheres de Paris fingir a tal ponto?"




"O inconveniente do reinado da opinião pública, que aliás busca a liberdade, é que ela se mistura ao que não lhe diz respeito: por exemplo, a vida privada."





"Que juiz não tem um filho ou pelo menos um primo a promover na sociedade?"






 "Um romance é um espelho que se leva por uma grande estrada. Ora ele reflete a vossos olhos o azul do céu, ora a imundície do lodaçal da estrada. E o homem que transporta o espelho nas costas será por vós acusado de ser imoral! Seu espelho mostra a imundície, e acusais o espelho! Acusai antes o grande caminho onde está o lodaçal, e mais ainda o inspetor de estradas que deixar a água empoçar-se e o lodaçal formar-se."




"Estranho efeito do casamento, tal como o produz o século XIX! O tédio da vida matrimonial faz seguramente morrer o amor, quando o amor precedeu o casamento. No entanto, diria um filósofo, ele gera em seguida, nas pessoas bastante ricas para não trabalharem, um cansaço profundo de todos os gozos tranquilos. E somente as almas secas, entre as mulheres, não buscam de novo o amor."





"A política … é uma pedra atada ao pescoço da literatura e que, em menos de seis meses, a submerge. A política em meio aos interesses da imaginação é como um tiro de pistola em meio a um concerto. É um ruído dilacerante sem ser enérgico. Não combina com o som de nenhum instrumento. Essa política irá ofender mortalmente uma metade dos leitores e aborrecer a outra, que, ao contrário, a julgou especial e enérgica no jornal da manhã…"




"A tirania da opinião – e que opinião! – é tão estúpida nas pequenas cidades da França quanto nos Estados Unidos da América."




"O andarilho que acaba de escalar uma montanha íngreme senta-se no topo e encontra um prazer perfeito em repousar. Mas seria ele feliz se o forçassem a repousar sempre?"




"Um viajante inglês conta a intimidade em que vivia com um tigre; ele o criara e o acariciava, mas tinha sempre sobre a mesa uma pistola armada."







DESAPEGANDO DE ALGUNS LIVROS





Muitos pensam que eu não gosto mais dos livros de papel, só porque publiquei livros virtuais e comprei um Kindle, que adoro e acho muito prático, além de bem mais ecológico e econômico. Mas faço uso das duas plataformas de leitura, sem preconceitos. Para mim, o que importa, é o que está escrito, e não onde está escrito.

Há alguns dias, vi um post no Facebook, pedindo doações de livros para uma feira. Eu vinha adiando uma arrumação nas minhas estantes de livros, que ficam sob as escadas que dão no andar superior, e achei que seria uma ótima oportunidade de, não apenas ajudar a quem precisa, como também de abrir um pouco mais de espaço nas minhas prateleiras. 

Sentar-me no meio de todas aquelas pilhas de livros, olhar as capas, tirar o pó e separar os que ficariam dos que iriam embora, foi cansativo e, ao mesmo tempo, agradável. Um exercício de desapego e também de reflexões, que surgiram ao reler algumas páginas. Confesso que havia alguns romances cujo enredo eu nem recordava mais. Pensei em guardá-los para reler mais tarde, mas considerei: se eles estavam ali há tantos anos sem que eu sequer me lembrasse da existência deles, é porque não são necessários!

Não foi muito fácil desapegar-me de "O Vermelho e o Negro", de Stendhal, uma edição de capa dura vermelha com lombadas douradas. Mas já perdi a conta das vezes em que li aquele livro, e de quantas vezes chorei por Julien Sorel. 

Desapegar é necessário. A gente se sente bem mais leve depois. 

Quando terminei, as estantes estavam limpas e organizadas. Ficaram aqueles que já li e reli várias vezes, e que gosto de reler de vez em quando. Os que acho importantes para mim, de Feng Shui, psicologia, espiritualidade e também de lendas antigas, que adoro.

 Comecei a carregar as pilhas para a garagem - eram muitos livros, mais do que eu pensei- subindo e descendo as escadas do jardim várias vezes. Quando terminei, estava suada, empoeirada, cansada e com os músculos doloridos. No dia seguinte, a moça - uma ex-aluna minha - passou para levá-los embora. Ajudei-a a colocá-los no carro,  despedindo-me deles de vez.

Espero que as pessoas que os comprarem fiquem felizes, e aproveitem a leitura.




quinta-feira, 6 de abril de 2017

A Vingança




Ontem à noite estávamos - eu e meu marido - lendo um trecho do livro O Evangelho Segundo o Espiritismo. Temos feito isso todas as noites: escolhemos um livro entre alguns selecionados para esta atividade, e depois, abrimos uma página ao acaso, lendo em voz alta e refletindo sobre o que lemos. Ontem, o livro escolhido foi o já citado, e a página aberta, a que falava sobre vingança.

 Ninguém aqui é santo, e a maioria das pessoas pode ter alguma reação intempestiva ao ser afrontado ou ofendido. Eu, por exemplo, embora esteja tentando muito mudar isso, posso reagir intempestivamente e dar uma resposta curta e grossa a alguma abordagem ofensiva, mas depois, eu esqueço; não fico guardando ódio ou pensando em vingança. Acho que as grandes questões dos relacionamentos devem ser resolvidas à medida em que aparecem com uma boa conversa, e após resolvidas (ou não), devemos seguir em frente e focar nas coisas boas, no que realmente vale a pena e nos faz felizes, e não em vinganças. 

É tão mais fácil pedir desculpas ao cometermos um erro, ou tentar conversar e entender o que levou uma pessoa a agir de forma que nos desagradou, mas ao invés de sentar e conversar, as pessoas estão guardando e alimentando o ódio e transformando-o na força destrutiva da vingança, partindo laços que são importantes, afastando pessoas que são ou poderiam transformar-se em amigas verdadeiras. Desconsideram o lado bom do relacionamento, não levam em conta o quanto estarão perdendo ao guardarem suas mágoas para usá-las em uma vingança ao invés de tentarem conversar e esclarecer o assunto.

Algumas pessoas orgulham-se de suas vinganças, contando aos outros sobre elas, achando-se muito espertas e inteligentes. Gastam boa parte do seu tempo e da sua energia planejando, observando e armando o bote para finalmente pular no pescoço de suas vítimas com toda a fúria e toda a negatividade que puderem despejar. Fico pensando no quanto estas pessoas despendem um tempo precioso nesta rotina infame, ao invés de se cuidarem, tratando da saúde física, mental e espiritual. 

Percebo também que ao longo do tempo, estas pessoas, por mais bonitas que sejam, vão mudando. Cada vez mais, seus rostos adquirem um aspecto taciturno e infeliz, e sua postura vai tornando-se rígida e atarracada como se estivessem prestes a saltar sobre alguém a qualquer momento. O tom de voz também muda, tornando-se mais grave e gutural. Passam a desconfiar de todos a sua volta, reagindo com raiva e agressividade a qualquer um que tente aproximar-se e que elas achem que de alguma forma as ameacem ou às suas posições na vida.

Conheci uma moça que era linda em todos os aspectos: morena, cabelos negros e longos, alta, um sorriso muito branco. Mas ela fez tantas maldades contra pessoas - especialmente pessoas que a ajudaram - que acabou tornando-se feia. Fiquei impressionada com a mudança que vi nesta moça alguns anos após conhecê-la, ao passar por ela na rua. 

No livro que lemos há um trecho que fala no quanto as pessoas se afastam de gente assim, e que de repente elas se encontram sozinhas e não sabem o porquê. Nem sequer tomam um pouco de seu tempo a fim de meditar e tentar entender o que aconteceu, fazendo uma retrospectiva sobre as pessoas que ofendeu e prejudicou com a sua vingança, e muitas vezes, apenas porque tais pessoas não agiram como elas desejavam.

As religiões, em sua maioria, dizem que aquilo que mandamos para o universo,  nos é devolvido em triplo. Acredito muito nisso. O ocultismo diz que tudo o que abraçamos no mundo oculto, nos abraça de volta. Fico aqui imaginando quais braços estão em volta destas pessoas, e quais energias pesadas elas estão atraindo para elas mesmas.









quarta-feira, 5 de abril de 2017

Uma Amiga que Vem às Vezes...









Exposição







As cores da aquarela eram cores magoadas,
Havia imensos nãos entre a palheta seca
E as tintas aguadas.
O pincel tocava as cores que dormiam, caladas,
Entre as nervuras rachadas.

Não havia água.

O sonho e o desejo permaneciam mudos
Sobre a tela branca que ninguém pintava.
Quadros jaziam sobre as paredes nuas,
O anseio dos olhos não passava pelos corações,
Não transportavam as emoções caladas.

Havia um grito preso que queria ser,
Havia a ansiedade de nascer...
-Mas como, sem um berço, sem caminhos, sem estradas,
Sem cores – só as telas brancas, que não traduziam
A dor presa no ventre, que quase matava?





Prece






Madrugada; 
Os olhos se abriam de repente
Na casa vazia.
Na cozinha,
Uma xícara de chá de solidão.

Por companhia,
Os ecos das batidas
Soando pela casa:
Um relógio carrilhão.

Uma, duas, três horas de agonia,
Quatro, cinco, seis passos pelo chão
Marcado pelos saltos
Daqueles que se foram.

A prece em desespero
Às pressas recitada,
Palavras gotejadas 
Aos pés da madrugada...

A prece, bem aos poucos
Virando imprecação:
"Para onde foi aquele
Que transformou-me  a vida
Nessa desilusão?"

De volta à cama, o suor
Após o pesadelo...
-Não há nada que apague,
Ou que traga de volta
Por esses mesmos trilhos
Aquilo que se foi!

Sozinha pela vida,
Tornara-se refém
Daquela prece árida,
Daquelas noites pálidas
De dores sussurradas...

Nada mais lhe restava,
A não ser uma prece
Na qual não acreditava,
E a última palavra
(Que conhecia bem)
Pois era a que selava
A sua solidão:

"Amém."





sexta-feira, 31 de março de 2017

"Paz Sem Voz?"







Às vezes na vida não basta que sejamos pacientes e cordatos; é preciso exigir pressa, é preciso cobrar providências. A paciência é uma virtude, mas quando exagerada, camufla a covardia.

Não basta, a fim de mantermos a paz, que finjamos não ouvir as injúrias, as indiretas e as palavras ríspidas a nós dirigidas; é preciso que olhemos nos olhos dos nossos ofensores e deixemos bem claro que não mais toleraremos tal comportamento. 

Manter a paz a qualquer custo pode nos levar a contrair doenças psicossomáticas causadas por emoções reprimidas; além disso, quem sempre finge não se importar ao ser ofendido, torna-se saco de pancadas e é taxado de bobo.
Não é possível dizer sempre “sim” a tudo que nos pedem, especialmente naqueles momentos que reservamos para nosso descanso, meditação ou lazer. 

Quem sempre se desloca para atender pedidos alheios, corre o risco de nunca mais ter paz. E não será valorizado por isso, pois na primeira vez em que realmente não puder atender a um pedido, será chamado de egoísta. Aprender a dizer “não” quando algo não nos é conveniente, não nos diz respeito, ou simplesmente é algo não queremos fazer, é sinal de força, e ajuda a impor limites para que não invadam a nossa tranquilidade e a nossa privacidade. 

Muitos de nós passamos muito tempo apenas tentando defender nossos espaços; mas às vezes, é preciso ser mais convincente, e ao invés de apenas nos defendermos, enquanto o inimigo ganha território, é necessário atacar, fazer o inimigo recuar a fim de que retomemos o espaço que nos pertence. Quem não sabe ser combativo, termina sendo acuado a um canto, obedecendo as determinações que mais convém às necessidades alheias.

Perdoar não quer dizer voltarmos a nos submeter a quem frequentemente abusa de nós e nos magoa; muitas vezes, perdoar e esquecer favorece bem mais a quem perdoa do que a quem é perdoado, pois nos dá paz de espírito e espaço para seguirmos com a vida, sem nos prendermos a ressentimentos e nos contaminarmos com a raiva e com pensamentos vingativos. Porém, é preciso, algumas vezes perdoar e esquecer aqueles que vivem nos fazendo mal.

Ser feliz é melhor que ter razão? Depende; quem poderia dizer-se feliz, quando tem certeza absoluta de alguma coisa, mas concorda em abrir mão de suas ideias apenas para agradar aos outros ou conservar uma falsa paz? Ser feliz também é lutar pelas nossas convicções, especialmente quando temos certeza de que elas são verdadeiras. Quem deixa que suas convicções sejam sempre atropeladas, acaba mudo, relegado ao quartinho dos fundos onde ninguém o respeita. 

Há certas situações na vida que exigem que saibamos nos impor, lutar pelo que acreditamos, dizer não, erguer limites, desfazer amizades abusivas, sair da estrada reta e virar à direita ou à esquerda, em direção a um novo caminho – mesmo que ele seja desconhecido – pois se o caminho que conhecemos tornou-se cansativo, improdutivo e cheio de padrões repetitivos, é melhor correr o risco de mudar a permanecer nele. 





quarta-feira, 29 de março de 2017

SOBRE CURIOSOS BEM INTENCIONADOS






Eu estava sentada no sofá daquela casa, sem pensar muito em nada. De repente, a pergunta inesperada – pois sei que a pessoa que a formulou não tem nenhum interesse solidário na minha vida, e nem faz questão absoluta de me ver feliz; no rosto dela, um ar forçado de preocupação: “Está tudo bem com você?”  Eu respondi que sim, e continuei em silêncio. A conversa continuou em seu ritmo anterior, e dali a alguns minutos, ela repetiu a pergunta, obtendo a mesma resposta monossilábica. Ainda o fez mais uma vez, e após obter a mesma resposta, acrescentou: “É que eu estou te achando tristinha hoje... está tudo bem mesmo?” Eu ri, e disse que estava bem e que não estava triste, encerrando o assunto.

Em outra ocasião, quando fazia obras na minha nova casa, um desses “amigos” interessados veio dar uma olhada. Após percorrer o espaço, fazendo alguns elogios pouco convincentes, começou a fazer observações bem intencionadas: “No lugar de vocês, eu colocaria um jardim de inverno ali (já havia um lavabo e as escadarias para o andar superior) e moveria as escadas mais para lá. Também teria feito a cozinha maior e a área de serviço menor, e blá, blá, blá...” Quando ele foi embora, ficamos andando pelo espaço, calados, ainda afetados pelos comentários dele. Suas críticas veladas nos pegaram despreparados, e quase arruinaram nosso dia. 

Eu e meu marido caminhávamos pela Rua 16 de março em uma linda tarde de sábado, quando a moça bonita e simpática nos parou na calçada, e cheia de sorrisos, começou a reclamar de algo que estava no prédio onde meu marido trabalha (ela mora em frente) e que a incomodava. Ora, meu marido apenas trabalha no prédio, não é síndico ou morador, e não cabe a ele resolver qualquer problema referente a ele. Após falar mal de uma ou duas pessoas, ela soltou mais uma ou duas observações ferinas e se foi, perdendo-se entre a multidão que passava naquela calçada, carregando seus sorrisos sinceros e distribuindo-os entre os que encontrava. Ficamos caminhando em silêncio durante algum tempo, após o qual só pude observar: “Que carga pesada tem essa pessoa!”

Existem pessoas assim, infelizmente. Elas deixam no ar uma observação maldosa – mas tão pequena e casual, que na hora “h” nem nos conscientizamos dela – mas que depois ficam martelando nossos pensamentos, e nos vemos aborrecidos sem saber muito bem qual o motivo. Quem nunca se pegou de mau-humor de repente, sem que houvesse uma explicação para tal? Se prestarmos atenção e fizermos uma curta retrospectiva das pessoas com quem estivemos, talvez encontremos o motivo em um desses comentários “bem intencionados.” E na maioria das vezes, quem o fez, o fez de propósito, a fim de minar sua autoconfiança e cavar um buraco na sua autoestima por onde suas setas de veneno poderão entrar mais facilmente.

Meu primeiro emprego, aos 18 anos de idade, foi em uma das lojas de sapatos que pertencia a uma família próspera, distinta e muito tradicional aqui na minha cidade. A proprietária – uma mulher que naquela época tinha a idade que tenho hoje – um dia me disse: “Ana, quando alguém nos pergunta se estamos bem, devemos dizer apenas que estamos mais ou menos, ou que está tudo indo. Nunca entre em detalhes, nunca dê muitas explicações, porque na maioria das vezes, quem faz esse tipo de pergunta está apenas curioso, só quer saber da sua vida particular, e não é bem intencionado. Nunca devemos entrar em detalhes sobre nossa prosperidade para evitar despertar inveja. Também não devemos fazer confissões quando estamos mal, para não despertar fofoca.” Quando ela me disse aquilo, eu tinha apenas 18 anos, e não compreendi; como não compartilhar com as pessoas que gostam da gente os nossos momentos felizes, as nossas conquistas? Anos depois, eu compreendi o que ela estava querendo me dizer. 

Nem sempre, as pessoas que estão em volta da gente realmente nos apreciam. Elas estão apenas curiosas. Ou então, ao perguntarem sobre nossas vidas, só querem nos comparar a elas, para ver se somos tão infelizes quanto, ou para diminuir as nossas conquistas e alegrias através de comentários sutis e totalmente maldosos. 

É importante identificar estas pessoas – elas podem estar entre os amigos, colegas de trabalho e até mesmo membros familiares – e evitar fazer comentários muito otimistas ou pessimistas sobre as nossas vidas. Por trás de uma simples pergunta casual, pode haver uma seta envenenada. Por que nos expormos ao veneno da curiosidade alheia?






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Wyna, Daqui a Três Estrelas

Este é um post para divulgação do livro de Gabriele Sapio - Wyna, Daqui a Três Estrelas. Trata-se de uma história de ficção científica, cuj...