Quando viemos nesta casa onde moramos pela primeira vez, para ver se gostaríamos de comprá-la, uma das vizinhas que ficava com a chave (a proprietária era idosa e residia no Rio de Janeiro) mostrou-a para nós. Era uma casa bastante velha e estava em péssimo estado, mas encantou-nos o bairro - tranquilo e bonito, cercado por montanhas e muito verde - e o pequeno jardim, onde há até hoje, um cedro e um ipê amarelo.
Ela nos mostrou todos os cômodos, exceto por uma pequena porta azul nos fundos da casa, que achei que deveria ser o porão. Perguntei: "E essa portinha aqui, o que é?" Ela respondeu: "Ah, é só um porão. Está sujo e é usado apenas para guardar as ferramentas do jardim." "Eu gostaria de ver," retruquei; ela disse que era apenas um porão velho, mesmo assim, eu insisti. Ela pegou o molho de chaves a contragosto, e abriu a portinhola. Olhei para o interior e deparei com um cômodo de teto baixo, onde não se podia ficar de pé, e havia nele ancinhos, garrafas vazias, cortador de grama, vassouras velhas e outros objetos quebrados. Mas meus olhos viram além daquilo tudo. Chamei meu marido, e tremendo de antecipação, disse a ele: "Este lugar daria uma adega! Pense só nisso!"
Não sabíamos como resolver o problema do teto baixo, já que a casa estava em cima do porão e não era possível erguer o teto. Mas um pedreiro nos deu a solução: "Vamos cavar o piso!" E foi o que fizemos. Foram dias difíceis para os trabalhadores... carrinhos e mais carrinhos de terra e entulho, até que o chão ficou em altura suficiente para que uma pessoa pudesse ficar de pé. Mandamos descascar o cal branco das pedras, deixando-as à mostra. Aos poucos, fomos colocando os objetos: mesa, cadeiras, prateleiras para as garrafas de vinho e outras bebidas... e começamos a comprar os vinhos. Decidi comprar também alguns livros sobre o assunto, e lembro-me que tornei-me uma estudiosa! Queria saber tudo sobre os tipos de uvas, as taças adequadas, qual vinho acompanhava qual prato, as vinícolas famosas, a história por trás de tudo. Confesso que hoje, dez anos depois, já me esqueci da maior parte de tudo o que estudei, mas ando pensando em reler aqueles livros.
Eu costumava passar muitas horas na adega; lá eu lia muito, e também rezava muito - especialmente na ocasião da doença de meu sobrinho - e depois que ele morreu, fiquei tão triste, que entrar na adega e me lembrar das tantas vezes que eu entrei ali para rezar por ele, me deixava muito mal. Por isso, fiquei bastante tempo sem entrar lá. Mas ultimamente, andamos limpando o mofo, tirando o pó das garrafas, lavando as taças de vinho... e convidando algumas pessoas. A adega renasceu, finalmente! O sentimento de tristeza se dissipou, e ficaram apenas as lembranças de tempos difíceis, mas que foram superados. Aos poucos, estamos substituindo estas lembranças por outras mais felizes.
Hoje saímos e compramos vários objetos para redecorar a adega, e já pensamos nos vinhos para abastecê-la para as noites de inverno. A vida segue. Sempre.