Mudamos dentro de uma casa. Ela vê passarem os anos. Ela nos observa, desde o momento em que chegamos ao mundo e começamos a abrir os olhos e perceber a vida além de nós. A casa escuta nossas primeiras palavras e recebe nossos primeiros passos. Ela nos vê ao vestirmos o primeiro uniforme da escola. Cuida com carinho dos nossos primeiros tombos, e depois, de nossas desilusões amorosas e amores platônicos da adolescência.
A casa fica, quando vamos embora, cedendo o espaço a outros que chegam. Guarda em si as memórias de todos que nela moraram. Nós podemos não saber, mas ela sabe. Ela viu, ouviu, calou entre suas paredes tudo sobre cada vida que abrigou. E as famílias e as gerações vão se renovando. A casa permanece, mesmo quando sua estrutura é modificada.
E a casa nos recebe, assim que chegamos, novos habitantes cheios de sonhos e esperanças.
É nas cortinas de uma casa que enxugamos as nossas lágrimas de decepção. Ela é sempre fiel, sempre acolhedora, sempre amiga, mesmo quando todos já se foram - por imposição da vida e da morte ou por livre e espontânea vontade. Podemos nos sentir sozinhos dentro de uma casa, mas é porque não prestamos atenção o suficiente para percebermos que uma casa está viva. Ela respira. Ela existe. Ela acolhe e consola. A casa nos aguarda pacientemente, quando decidimos nos perder pelo mundo, e jamais se ressente se demoramos voltar ou se não voltamos nunca mais.
Se abandonada, ela apenas morre. Silenciosamente. Sem fazer qualquer reivindicação. Deixa caírem vagarosamente as suas partes, uma a uma, por trás das portas e janelas cerradas. Entrega as suas estruturas ao vento, à chuva, à umidade. Sem qualquer apego. Permanece calada durante anos e anos, até que alguém resolva qual será o seu destino, ao qual elas se entregam. Mas se alguém optar por abrir-lhes as janelas e portas, arejá-la, cuidar dela, limpá-la e amá-la, a casa responde sempre, dando em troca a sua alma renovada e acolhedora.
Uma casa não tem ressentimentos. Ela nos aceita, quer sejamos crianças, jovens ou velhos. Ela não liga para os nossos roncos à noite, não se escandaliza quando reclamamos alto porque não sabemos aonde foi que deixamos nossos óculos, e nem se ressente quando estamos tristes. A casa não indaga; não quer saber os nossos motivos, não nos exige nada... mas alegra-se quando nos lembramos de cuidar um pouco dela de vez em quando.
Pois até mesmo uma casa se abre ao amor verdadeiro.