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segunda-feira, 13 de março de 2023

AVE MARCIANA - Edmund Cooper

 


Gostaria de deixar claro de que este texto não se trata de uma resenha, mas de uma reflexão. Contém  spoilers.



Quando eu era criança – oito anos de idade, para ser mais precisa – meu avô por parte de mãe faleceu. Ele tinha 71 anos, e deixou-nos um pequeno legado de livros, mas infelizmente, a maioria deles foi relegada a uma enorme fogueira em um dia fatídico no qual minha mãe precisou sair e minha irmã adolescente decidiu fazer uma faxina na casa. Entre os livros, havia uma coleção completa de Henry Durville, “A Sciência Secreta” (Com ‘sc’ porque era assim que se escrevia ‘ciência’ na época), edição 1929, um livro sobre Rosa Cruz, outros sobre espiritismo e um livro de bolso – um romance  de ficção científica, com o título Ave Marciana, de Edmund Cooper, edição de 1967. Dos livros acima citados, apenas este último e três fascículos da coleção de Henry Durville foram salvos da Inquisição literária promovida por minha irmã, pois minha mãe chegou em casa antes que a toda a sentença fosse executada.

Eu peguei no chão o livro Ave Marciana, e limpando da capa a fuligem, fui para um canto e comecei a lê-lo. Acho que eu tinha 9 anos. Não consegui tirar os olhos do livro. A história era sobre seres humanos que, partindo da Terra em 2025, foram parar em um planeta distante após 26 anos de viagem nos quais permaneceram em suspensão a maior parte do tempo. Sendo assim, não envelheceram. Foram parar em Altair 5, um planeta onde a vida estava saindo do estado primitivo, e as pessoas ainda demonstravam certa selvageria, executando sacrifícios humanos para aplacar Aru-re, o seu deus sedento de sangue. Dos que chegaram ao planeta, apenas um sobreviveu: Paul Marlowe, ou Por-me-lo, como ficou sendo chamado pelos habitantes do planeta. E ele sobreviveu justamente por sua decisão de tentar compreender os hábitos locais, adaptando-se a eles, sem julgá-los ou tentar modificá-los, por saber que a população não estaria preparada para tal.

Ao terminar o livro, com um nó na garganta, pois muita coisa ali fazia um sentido enorme para mim (sentido esse que eu não sabia expicar aos nove anos de idade), apenas alguns meses depois eu o reli. E acho que o reli ainda mais algumas vezes, pois reler um livro onde seus personagens preferidos morrem no final, faz com que eles temporariamente ressuscitem. É como rever velhos amigos.

Quando me casei, minha mãe tinha ido morar com minha irmã, e outra leva de livros foi queimada na transição – entre eles, Ave Marciana e meus velhos amigos que moravam nele. Passei anos da minha vida tentando encontrar outra edição do livro sem obter sucesso, até que recentemente digitei Edmund Cooper no Google e consegui achar sua edição em inglês, intitulada A Far Sunset. Baixei a versão e-book na Amazon.

É incrível o quanto a gente redescobre coisas velhas e descobre coisas novas ao reler um livro após muitos anos, e após muitas mudanças na nossa capacidade cognitiva e na nossa vida pessoal. Ave Marciana estava ali, com todos os seus personagens, e nuances importantes que eu não tinha notado nas primeiras leituras. Os personagens pareciam mais fortes e coesos, e me falavam de forma bem mais eloquente. Foi emocionante o encontro de Paul Marlowe, ou Pol-mer-lo, com a nave mãe do planeta Marte, que telepaticamente contou a ele as origens de todos os povos do Universo, inclusive a humana, e a conexão entre todos eles. Uma nave que mantinha contato com outras naves, escondidas em outros planetas, onde as civilizações que lá chegaram eram mais ou menos evoluídas, ou tinham sido extintas. A nave contou a ele que as questões que as pessoas tinham sobre quem tinha quatro dedos ou cinco dedos nas mãos tiveram origem há centenas de anos, em um tempo onde absolutamente todos tinham cinco dedos nas mãos.

A nave telepática era Aru-re - Deus. Era ela que determinava tudo o que acontecia na superfície de Altair 5. Era com ela que os seres vivos se comunicavam, achando que o faziam com um ser transcendental. Ela era a origem das sementes que se espalharam no Universo para tentar salvar o que restara da civilização marciana após a destruição da vida no planeta Marte.

O final da história, apesar de tê-la lido tantas vezes, foi surpreendente, pois na época em que li pelas primeiras vezes, não entendi a motivação de Paulo Marlowe em permanecer no planeta, mesmo após ter tido a única chance de retornar à Terra, e mesmo sabendo que tendo se tornado rei daquele povo, representante direto do deus Aru-re, seria sacrificado para que outro rei pudesse surgir, e Aru-re, renascer nele, como mandava a tradição. Desta vez, compreendi os motivos de Pol Mer-lo e a morte de Paul Marlowe.

Ainda vou reler “A Far Sunset.”  Este livro me levou de volta a lembranças da minha infância, meu avô, minha família, a casa onde morávamos, cenas de minha vida que eu já tinha perdido. Ele reacendeu em mim a inocência daquela época, e também mostrou que um bom livro será sempre um bom livro, não importa quantas vezes alguém o tenha lido, e sempre mostrará algo novo que o leitor não tinha percebido na leitura anterior.





EDMUND COOPER




quinta-feira, 9 de março de 2023

DOR


 



Dos teus olhos, lágrimas.

Da tua boca, magma.

Algo a se quebrar

No teu diafragma.


 Na palavra, lástima

Devagar, se alastra...

Sobre a pele pálida

Tua dor é vasta.


 Cálido querer

Aos poucos, se arrasta

Ganha a rua, e quer

Se banhar de sol.

 

E no arrebol,

Vida a renascer...

Tecitura fina

(Ainda transparente)

De uma nova rima.






 

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

TRANSFORMAÇÃO






 

É que já não me ocupo em construir outras memórias,

E às vezes, eu me esqueço de lembrar do que esqueci.

Me falta paciência  para ler a minha história,

E o tempo já passou muito mais do que eu vivi.

 

Lembranças se misturam com o que eu jamais vi,

Não sei de onde vêm essa memória diluída

Que cisma de pairar – talvez algum livro que eu li?

É pouca coisa vindo, mas é tanta coisa ida!

 

Os anos que passaram ultrapassam os que restam,

E hoje eu só quero... já nem sei dizer o quê!

Talvez fechar os olhos, deixando o barco correr,

Ou balançar na rede, sem pensar no que é viver.

 

Já sei que a experiência nem sempre é sabedoria,

Mas em alguma parte, acho que amadureci:

Pois minha grande meta é viver o dia a dia...

O que antes me matava, hoje apenas me faz rir!

 


sábado, 18 de fevereiro de 2023

VERBO







Teus verbos hoje

Estão todos no passado.

Pegadas se apagam,

Mas existe tua voz

Em cada canto,

E quando eu passo,

As cortinas dançam, 

Me enlaçam

Imitando o teu abraço.


À noite, 

Te ouço na conversa dos grilos,

E te reecontro

No brilho fosco da lua

 Dissolvido na névoa

Que cobre as montanhas,

E ao abrir dos meus olhos

No sonâmbulo silêncio

Da madrugada,

Eu olho o travesseiro, 

E não entendo

Como podes ainda ser tanto,

Já não sendo.






sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

SOL E AREIA



 

 

 

Sol e areia,

Céu como fundo.

 

Nada existe nesse mundo

Que me divida

Ou me distraia de mim mesma.

 

O deserto aqui fora

Reflete

O deserto aqui dentro.

 

Eu me sento, bem no meio

(Me desculpem se não respondo)

À porta, sob o alpendre.

Aprecio, diariamente,

Inúmeros sóis se erguendo

E se pondo.

 

 



segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

OVNIS ou?...

  





OVNIS OU?...

 

Fiquei pasma ao ser acordada por meu marido no sábado à noite. Ele disse: “O que eu vou te mostrar não é fake news.” Era a notícia de que o Canadá, em ação conjunta com os Estados Unidos, tinham derrubado um objeto voador não identificado que estaria “atrapalhando” as comunicações entre voos na região. Eles não sabem do que se trata (não é um balão-espião-metereológico chinês, como o que havia sido abatido anteriormente a este fato) e até agora, niguém tem certeza do que era.

Logo após esta notícia, chegou-me outra de que um novo objeto teria sido abatido em Montana, e à noite, já havia notícias de um terceiro que está sobre a China. Hoje de manhã o Canadá falava de um quarto objeto abatido. Ou seja: há coisas estranhas acontecendo.

 

E eu realmente preferiria que fossem Ets.

 

Porém, acredito que seja algo bem pior, pois assim que saiu a revelação de que foram os Estados Unidos que explodiram Nord Stream, na Rússia, usando mariners que implantaram explosivos que foram remotamente detonados, estes OVNIS começaram a aparecer. Talvez seja um fator de distração para que as pessoas se esqueçam daquilo que eles não querem que seja mais detalhadamente investigado.

 

 

Na verdade, ninguém sabe o que é, e talvez jamais fiquemos sabendo. Se forem objetos vindos de outros planetas, teremos mais um caso Roswell; colocarão panos quentes, afirmarão ser balões meteorológicos, algumas testemunhas desaparecerão do mapa, etc, etc, e ninguém mais falará no assunto diretamente, a não ser quando virar série da Netflix. E se toda essa história estiver sendo inventada pelos Estados Unidos a fim de encobrir alguma caca que eles fizeram recentemente, ou que estão planejando fazer, eles negarão até o fim e ainda sairão como heróis, culpando os russos e os chineses, como sempre.

 

Mas que existe alguma coisa estranha no ar, ah, isso existe! A mainstream media anda se debruçando sobre espirais que surgiram sobre a Noruega e o Havaí recentemente, e embora alguns tenham dito que sejam os satélites do Elon Musk ou mísseis disparados pela Rússia que falharam, dá para todo mundo ver que nada disso é verdade. O que serão as tais espirais no céu? O que serão as luzes verdes, parecidas com laser, que surgiram nos céus havaianos, e que alegaram ser produzidas por um satélite de monitoramento, sendo que a fabricante do satélite já afirmou que ele não emite luzes verdes ao operar?

E será que as autoridades canadenses e americanas se pronunciariam, com direito a NASA e tudo, se nada estivesse acontecendo?

 

E o que significa, pelo amor de Deus, o centro da Terra ter parado de girar?


Ficam as perguntas pairando no ar, como se fossem espirais...

 

E para quem duvida, basta ir ao YouTube ou Google e digitar “OVNIS sobre o Canada e EUA” e “espirais no Havaí” e vocês terão agências de notícias como CNN, UOL, BBC, Bandeirantes, SBT, Globo, etc, noticiando os fatos. Alguns oferecem explicações pueris enquanto outros dizem não ter a menor ideia do que se trata. E os vlogueiros, blogueiros, ‘espiritualistas’ e conspiradores bombam com vídeos sobre Ets, fim do mundo, Bíblia, Ashtar Sheeran, etc.

Prefiro esperar para ver no que vai (ou não vai) dar.

 

 

 

 



terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

Da Nuvem


Lembranças e imagens que a nuvem do Google Drive me mandou hoje. Entre essas pessoas, muitas já se foram.

Na primeira foto, estamos na Ilha de Paquetá. Eu tinha, talvez, oito anos - hoje tenho 57. Sou a que está de suéter quadriculado, tomando sorvete, encostada em meu cunhado, que naqueles tempos namorava minha irmã. Casaram-se e têm 3 filhos. Ao lado dele, minha irmã, e ao meu lado, minhas duas outras irmãs mais velhas e meu pai. Atrás de mim, a nossa mãe.

As demais pessoas eram vizinhos ou amigos. Não me lembro de todos.






Minha mãe, sentada com a mão na cabeça; eu, meu cunhado, minha sobrinha Rosane (falecida), minha irmã mais velha e minha outra irmã, perto da cadelinha Susie.


Batizado do meu sobrinho Daniel (hoje com mais de 30 anos de idade). As mesmas pessoas de sempre, a não ser pela Natália, minha sobrinha, irmã do Daniel - a que está no colo da minha irmã. Minha irmã Silvia e meu cunhado foram os padrinhos, e minha mãe, embora ela fosse apenas um pouco mais velha do que eu sou hoje, aparenta mais idade do que eu tenho.



O mesmo batizado. Vemos agora o meu outro cunhado, de barba, o Tiaguinho, meu sobrinho (hoje todas essas crianças têm mais de 30 anos de idade) E de pé à direita, a minha falecida sobrinha - a mesma que aparece bem pequenininha na segunda foto.



Aniversário. Nem me mais lembro quem são algumas dessas crianças.



As fotos nos ajudam a lembrar sobre a passagem do tempo, o quanto essa vida é breve, o quanto todos nós estamos fadados a desaparecer. Na foto abaixo, eu, nos dias atuais, durante o trabalho.

Antes da pandemia...




...depois da pandemia. Décadas em dois anos.


Ficam os bons momentos também, as coisas que valem a pena ser lembradas.

Porém, é incrível a gente perceber o quanto os relacionamentos mudam, as pessoas se afastam, crescem, vão embora, morrem... e isso se chama vida.
Na foto abaixo, meu falecido sobrinho e sua namorada. Ele já estava bastante doente aqui.




A história da nossa família começou aqui.
São meus pais.




E só Deus sabe quando ela terminará.








 

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

NEGAÇÃO

 



 

No meio da luz cegante,

Entre os raios longos e brancos,

Existe um pequeno ponto

Negro e redondo, crescendo sempre,

Que quase ninguém enxerga

Ou quer enxergar.


 

Existe uma branca cobra

No ponto mais escuro das alcovas,

E ela passa, sinuosa,

Incisiva, silenciosa,

Por sobre o gramado e as rosas,

E sobre os espinhos

Que ela aprendeu a ignorar.


 

Na nuvem mais branca, existe

Um prenúncio de tempestade,

Um pequeno trovão

Que quer crescer, ser ouvido,

Mas alguém aperta o botão do sol

Para que ele fique mais forte,

A nuvem derreta

E a chuva não caia.

 


Descansam no fundo do mar

Naufrágios antigos,

Segredos escondidos por camadas e camadas

De limo e corais.

Os barcos passam por cima de tudo,

Sem escutarem os gritos

Das sereias abissais.


 

-Nunca, nunca mais!

Que fique sempre encoberto

Tudo aquilo que não deu certo,

As dores, os amores fracassados,

A fome da alma anêmica,

A corrupção sistêmica,

Os sonhos malogrados

Que jazem, natimortos,

No solo do passado.






 




 


 


 


 




quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

AS LUZES DO MUNDO

 

(Crônica baseada em um poema de Lucia Bauer)

 



 

Ontem a noite estava cálida. Eu, meu marido e nossos dois cães nos sentamos no jardim, como sempre fazemos quando as noites estão bonitas. Estávamos um pouco cansados, pois tivéramos um dia cheio, apesar de estarmos aproveitando férias. O calor dá essa sensação de termos feito mais do que fizemos.

 

Gosto de me sentar em minha varanda ao entardecer - coisa que não posso fazer fora do período das férias - e ver as luzes das casas lá em baixo se acendendo aos poucos, enquanto os carros passam na ponte em direção às suas casas. Depois, começo a escutar cães latindo alegremente, saudando seus donos, crianças brincando e sons vindos de aparelhos de TV. Em seguida, vem os cheiros de comida: alguém está fritando um bife, cozinhando arroz, temperando o feijão.

 

Antes de entrarmos em casa, costumamos colocar os cachorros para dormir; sim, eu sou aquela doida que põe os cães para dormir, desejando-lhes boa noite e dizendo "Fiquem com Deus, São Francisco de Assis, São Lázaro e São Roque." A luz da área de serviço onde eles dormem estava acesa, e pedi ao meu marido que a apagasse para que a gente pudesse ver as estrelas. Eu estava olhando para o céu naquele momento e vendo apenas algumas delas, um tanto apagadinhas. Assim que ele desligou as luzes, o céu se cobriu de estrelas cintilantes. 

 

Para ver as estrelas como elas realmente são, com todo o brilho que elas têm, precisamos ficar no escuro. O excesso de luzes artificiais encobre essa visão. 

 

Para realmente ouvir alguma coisa, é necessário que haja silêncio; Para se ter uma visão verdadeira sobre o mundo, é necessário antes olhar para dentro e compreender (mesmo que parcialmente) o que vemos, quem somos. É necessário admitir erros, falhas de caráter, medos, invejas. E acima de tudo, desejar, realmente, mudar. E não é através da negação dos nossos defeitos que mudamos. Isso só acontece quando os aceitamos totalmente, sem nos condenarmos exageradamente, mas compreendendo que tudo o que sentimos e somos faz parte do caminho e nos conduz a um aprendizado maior.

 

E só podemos aprender de verdade sobre nós mesmos. De nada adianta querer interpretar a Deus, ou às outras pessoas. Quem sabe, se nos conhecermos, seremos capazes de conhecê-los um pouco também, mas sempre admitindo que podemos estar errados. Porém, quando nos enxergamos como somos, automaticamente a nossa visão sobre as outras pessoas e seus propósitos melhora bastante. Quando reconhecemos nelas um caminho pelo qual já passamos, fica mais fácil entender suas reais intenções.

 

É preciso mergulhar na escuridão para que possamos realmente  ver as estrelas, aqui do lado de fora.

 

É  assim dentro da gente também. 

 

 


terça-feira, 10 de janeiro de 2023

EXISTE



 



Existe uma abóbada de vidro acidado

Que não deixa quem eu não quero

Ver do outro lado

Do meu pensamento.


É meu o que eu penso,

E sempre será.


 Existe uma estrada

Entre o que quero que saibam

E o que eu não quero,

E ela está, quase sempre,

Fechada.


Quem passa e me olha

Pensando que sabe

De tudo o que eu sei,

O olhar se desfolha.


Meu pensar é livre,

Mesmo que eles falem.


Tenho esse direito

O de ver o que eu vejo

E pensar o que eu quero,

Mesmo que me calem.




 


 




domingo, 8 de janeiro de 2023

ENVELHECER





ENVELHECER

 

 

Me inscrevi em um canal no YouTube cuja proposta pensei ser, inicialmente, falar sobre o envelhecer.

 

Cancelei a inscrição após um dia.

 

O canal é uma sucessão de vídeos sobre mulheres velhas ou muito velhas dizendo que não estão velhas, que a velhice está apenas na cabeça. Elas usam maquiagem pesada e saem para dançar usando roupas de bailarinas de cabaré, afirmando sempre que a velhice não existe. Nos vídeos, a maioria das pessoas nesses grupos são de mulheres, e elas fazem questão de mostrar a quantidade de álcool que consumem durante seus “brindes à vida.”  Há poucos homens, o que faz com que elas acabem tendo que dançar umas com as outras durante o baile. Acho isso um espetáculo triste.

 

Nos comentários, algumas pessoas usam adjetivos que, ao meu ver, são muito pejorativos: “Vovós danadinhas!” “Isso mesmo, é preciso ter um coração jovem, que gracinha!”

 

Minha mãe frequentava esses grupos e ela me contava sobre as disputas das velhas pela companhia masculina – havia poucos homens – inclusive, minha mãe me contou que chegou a sofrer ameaças vindas de uma das velhas, que a abordou na rua, enquanto ela estava no ponto de ônibus, fazendo um pequeno escândalo e dizendo que ia bater nela se ela dançasse com o fulano outra vez. Minha mãe ficou um bom tempo sem voltar àquele clube. Detalhe: ela tinha mais de 80 anos quando aquilo aconteceu.

 

O que vou escrever aqui sobre o envelhecer é a minha visão, e entendo que há pessoas que enxergam isso de outra maneira, embora eu ache que elas estejam perdendo uma grande oportunidade de verdadeiramente amadurecer.


Não acho que velho tenha que ser triste ou austero o tempo todo, mas negar a velhice, na minha opinião, não é uma decisão inteligente. Imagino essas senhoras chegando em casa do baile, removendo a maquiagem pesada, a peruca, as roupas inadequadas de dançarinas de cabaré e os saltos torturantes, dando um suspiro de alívio ao entrar em um caftan confortável e chinelos macios. De repente, elas se olham no espelho, e nesse momento, pinta o desespero. Quem sabe, a depressão.

No dia seguinte, elas vestem novamente suas fantasias de jovens, chamando umas às outras de “Meninas” e recomeçam seu jogo de negação. Acho isso triste.

 

Penso que isso tem mais a ver com desespero do que com aproveitar a vida.

 

Sei que aos 58 anos eu tenho muito mais chão atrás de mim do que terei pela frente. Eu quero poder ler os livros que ainda não li, tentar me preparar mais para o meu grande encontro com a morte – sim, não há nada de mórbido nisso, pois a morte é um fato da vida – viajar, estar com as poucas pessoas que ainda consigo suportar, assistir aos meus filmes favoritos, e por que não, dançar, se a ocasião for propícia, sem forçar a barra ou ter que me fantasiar de dançarina de cabaré, o que seria ridículo. Eu quero tentar entender, mesmo que seja difícil, essa pessoa que sou eu, essa mulher na qual eu me tornei. Quero ter uma alma velha, antiga. Quero ser a tia meio bruxa, quem sabe, meio reclusa, que estuda muito e fala bem pouco.

 

Não vou aqui tentar recuperar o tempo perdido, pois o que foi perdido não pode ser reencontrado, pelo simples fato de que não há caminho de volta, nem nunca houve. É daqui para frente. É fazer o melhor que eu puder agora e viver uma vida que seja de verdade. Não quero jamais me tornar uma caricatura de mim mesma. Não vou tentar me infiltrar em grupos de pessoas mais jovens ou me enfiar em grupos de  “Melhor idade”, “Terceira idade” ou seja lá como for que os chamem. Prefiro ficar entre as pessoas que eu gosto, as que sempre conheci. Não me interessa fazer novos amigos, mas se acontecer naturalmente, por afinidade, por que não?

 

Eu gosto mesmo é da minha casa e de estar perto da natureza. Gosto de conversar com as árvores, admirar as plantas e os bichos e aprender sobre eles. Adoro estudar sobre assuntos que remetem à espiritualidade, e não tento impor minhas crenças a ninguém. Amo ler e escrever. Ainda trabalho, e amo o que eu faço. Vivo uma vida tranquila e me considero uma pessoa feliz a maior parte do tempo. Tenho tudo o que preciso e quase tudo o que sonhei. Tenho vivido uma vida com experiências boas, muito boas, ruins e muito ruins, e tento aprender com tudo. Não tento sair dos momentos ruins sem antes refletir e aprender. Tem gente que prefere “passar uma borracha” sobre a tristeza e colocar um sorriso no rosto, mesmo que seja falso.

 

A ditadura da felicidade, tão propagada nas redes sociais, também tem sido aplicada ao envelhecer. Lembro de uma Instagrammer de mais de 80 anos de idade, ex modelo, que postava fotos de biquine nas suas redes sociais, super maquiada, calçando saltos altíssimos que, com certeza, ela não conseguiria usar para caminhar. Eu sempre pensava: o que essa criatura está tão desesperadamente tentando provar? Que ainda é jovem? Que ainda é bonita e sensual? Que ainda “está podendo?” Seja o que for, ela falhou.

 

Não quero o “ainda.” Jamais me esforçarei para provar que eu “ainda.”  Quero o que é possível, sem me submeter a papéis ridículos. Quero ser respeitada, e não ser chamada de “gracinha,” “fofinha,” ou seja lá o que for. Não quero que me digam que eu não aparento a minha idade. Nunca vi isso como um elogio. Tais comentários só afirmam que, apesar das aparências, você envelheceu.

 

Não vou negar a minha idade, não porque eu ache que a velhice seja a melhor idade, ou a melhor fase na vida de uma pessoa. A melhor fase é entre os 15 e os 30 anos, pelo menos é o que eu acho. Envelhecer é ruim. Envelhecer dói, significa perder a beleza física, ter que lidar com possíveis problemas de saúde, perder a vitalidade, preferir ficar em casa a ir à uma festa simplesmente porque se sente cansada.

 

Envelhecer significa ter que lidar com vários tipos de julgamentos e preconceitos, trocas de olhares entre pessoas mais jovens toda vez que você esquece uma luz acesa, não consegue se lembrar do nome de alguém ou queima a comida, mesmo que essas sejam coisas que acontecem frequentemente entre os jovens. Talvez por isso essas senhoras dos vídeos tentem fingir que ainda são jovens. Talvez venha daí o desespero de mostrarem que ainda podem, que ainda conseguem, que ainda estão na moda: o medo dos mais jovens. O medo de serem confinados em casas de repouso pelos membros mais jovens da família. O medo de estarem quietinhos lendo um livro e serem classificados como depressivos.

 

Esta não é a primeira vez que escrevo sobre isso – tem um outro texto na minha escrivaninha do Recanto das Letras onde abordo o mesmo assunto. Mas lendo o que escrevi naquela ocasião e o que escrevi hoje, vejo que minha opinião não mudou. Fui procurar o texto e descobri que foi escrito há quase exatamente dois anos, no dia 09/01/2021. Muita água já rolou por baixo e por cima do meu telhado desde então. E não me arrependi de nada que foi escrito naquele dia.

 

 

 

 

 

 



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