witch lady

Free background from VintageMadeForYou

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Seis Horas da Tarde





Ela inclinou-se em direção ao rádio, aumentando o volume para ouvir melhor. Com a interferência, vinham alguns sons de assovios e estalos de estática, mas no meio daqueles sons, podia-se ouvir a voz do locutor com clareza. O crepúsculo iluminava a cozinha, e as luzes da casa ainda não tinham sido acesas. A mulher chama a menina:

-Aninha, vem escutar a Ave-Maria!

A menina desvia os olhos do desenho que passa na TV, dizendo:

-Depois eu vou, mãe. Agora está passando "Missão Mágica."

A mãe aumenta ainda mais o volume, perturbando o som da TV. Insiste:

-Vem ouvir a Ave-maria, Aninha. daqui a pouco, acaba.

Finalmente, Aninha suspira fundo e dá os poucos passos que a afastam da cozinha. Ela olha para fora, pelo janelão que dá para o telhado do vizinho, e vê o céu escarlate que serve de pano de fundo para as folhas de coqueiro que a brisa agita docemente. A mãe está em uma posição engraçada, inclinada em direção ao rádio, cotovelos em cima da mesa. 

O locutor lê uma carta. É uma história muito triste com música de fundo triste, que a menina não compreende muito bem. Ela pergunta:

-Mãe, o que é Ave-Maria?

A mãe faz sinal para que a menina faça silêncio, e Aninha, sentada à mesa, procura entre os feijões pretos algum grão colorido para brincar mais tarde. Ela adorava enfileirar os grãos e fingir que eram alunos, como as professoras faziam com as meninas no pátio do colégio.

O locutor termina a história e a oração, e uma música triste começa a tocar. A menina comenta:

-Que música triste, mãe....
-É linda! É a Ave-maria de Gounod. 
-Eu não gosto dessa música.

A mãe recorda, olhos no céu vermelho:

-Quando eu era interna no Colégio Amparo, todas as tardes nós rezávamos uma Ave-Maria às seis horas em ponto.
-Por que?
-Porque era assim.

Aquela cena repetir-se-ia muitas vezes na vida da mãe e da menina. Aninha já sabia rezar o Pai-Nosso e a Ave-Maria, embora não soubesse o que significavam aquelas palavras misteriosas e difíceis. Ela imaginava uma enorme pomba branca como sendo a Ave-Maria. E o Pai-Nosso tinha a cara igualzinha a do seu pai Sylvio. 

Havia no quarto da mãe, sobre o mármore de um camiseiro, uma imagem do Menino Jesus de Praga. Ela nunca entendia direito como o menino e o homem da cruz podiam ser os mesmos. E também não entendia como a mãe podia rezar para a imagem do menino, se quando ele morreu, já era um homem feito. Um dia, um moço bateu à porta e disse que era crente. A mãe deixou-o entrar, e quando ele viu a imagem do menino Jesus de Praga, pegou-a e jogou-a no chão, dizendo ser "coisa do diabo." A mãe colocou-o para fora e tentou colar a imagem, mas a lampadinha que ficava aos pés do santo nunca mais acendeu, e ficaram algumas lascas faltando, manchando o manto vermelho de branco.

Aninha aprendeu que seis horas é a hora de rezar uma Ave-maria e escutar aquela triste canção que toca no rádio. Por que? Porque é assim. E hoje ela estava na varanda da casa, quando às seis horas, o som da Ave-Maria na casa vizinha chegou-lhe aos ouvidos, e ela lembrou-se da mãe...

Nasceu no tronco do ipê...


terça-feira, 8 de abril de 2014

Vamos Entrar no Poema - com Anne Lieri



Participação de Anne Lieri na seleta "Verseja Brasil" - da qual também participo - da editora Pimenta Malagueta, de Miriam Sales. 



Uma coisa que eu adoro
É brincar de poetar!
Trocar palavras e rimas,
fazer de conta, inventar!

Vamos entrar no poema!
Venha comigo brincar!
Diga se você quer ser:
Flor, estrela ou luar?

Talvez uma andorinha
Com as asas da liberdade!
Ou a brisa bem fresquinha,
Trazendo felicidade!




Um leão ou uma girafa,
Golfinho alegre no mar,
Nuvem que vem e passa,
Menina linda a sonhar!

Um poderoso guerreiro,
Um fantasma para assustar,
Ou um simples mensageiro
Carta de amor a brilhar!

Príncipe em seu cavalo,
Fada, gnomo, duende...
Canção de ninar, embalo!
Uma chama que acende!

Sino que toca suave,
A praça, a matriz, jardim...
Ou uma pequena chave
Do teu coração pra mim!






MARZIPÃ





Marzipã


Surge,
Mistura-se à névoa que sobe
No denso silêncio
Que aos poucos, se encobre.

Um cheiro de nozes,
Um cheiro castanho de avelãs
E marzipã...

Um brilho sutil
De estrela da manhã,
Quase madrugada...

A noite foi longa,
Escura e pesada!...
Surge a deusa estilizada!

Cabelos de fogo,
Pele de romã,
E no hálito, marzipã.

-Manhã!





segunda-feira, 7 de abril de 2014

MORAR & VIVER




Acho que morar é diferente de viver. Moramos em qualquer lugar. Podemos morar em casas, apartamentos ou até mesmo debaixo de uma ponte. Mas viver é diferente: a gente vive aonde se sente bem, mesmo que seja em um parque, caminhando por uma rua ou por dentro de uma floresta. Viver é estar consciente de tudo o que está em volta, é olhar atentamente, sentir-se bem e agradecer. Conheci pessoas que moravam em casas ou apartamentos lindos, mas não viviam neles.

Acredito que o ideal seja encontrar um lugar onde se possa morar e viver, ao mesmo tempo. Na minha vida, já morei em cinco lugares diferentes, mas só vivi realmente em três. Lembro-me da primeira vez que vi esta casa - não tinha intenção nenhuma de comprá-la e nem sabia que estava à venda. Meu cachorro Aleph, durante um passeio, praticamente arrastou-me para esta rua, e chegando em frente ao portão desta casa, ele sentou-se. Olhei para dentro do jardim, e pensei: "Que lugar bacana! Adoraria morar em um lugar assim..." Antes, havia tido alguns sonhos estranhos com uma senhora idosa de quem eu comprava uma velha casa com uma estufa no quintal dos fundos. Meu marido também sonhara com o carro cheio de materiais de construção dirigindo-se para esta rua (antes mesmo de sabermos da existência da casa).

Bem, comentei com uma vizinha sobre a casa que acabara de ver, e ela me respondeu: "Aquela casa está à venda, e eu conheço a proprietária." Ela fez as apresentações, e fiquei surpresa ao ver que tratava-se de uma senhora idosa, mas diferente da que eu vira em meu sonho - ela era morena, e a do sonho, loira. Mas quando ela passou-nos os documentos para que déssemos início à transferência, vi que na fotografia da identidade, ela estava loira: igualzinho a senhora com quem eu tinha sonhado! Descobri que aqui era o lugar que eu queria não apenas morar, mas também viver...

Não tenho uma estufa no quintal dos fundos, mas tenho um Orquidário para cujas estufas eu tenho uma vista da varanda do andar superior da casa. Coincidência?...



A Mentira




A mentira 
É como uma flecha
lançada nos olhos
De quem nela crê.

Negra tinta derramada
Nas águas claras de um lago,
Veneno posto no doce
Oferecido ao inocente.

A mentira
É um prato florido e vazio
Que só faz ter mais fome
Quem dele come.

Ah, mas os que o servem...
Ah, para estes
Serão reservados
Os mais belos quartos
Com vista indevassável
Dos jardins internos
Do inferno.







sábado, 5 de abril de 2014

Pisava em Nuvens







Pisava em Nuvens


Pisava em nuvens de flocos,
Flutuava sempre acima...
Lá embaixo, um mundo de dores
Que jamais a atingia...

Era pura, branca, limpa,
Lábios rosados de mel;
Não conhecia a agonia,
Nem mesmo o gosto do fel...

Da vida, sempre escolhia
O que de mais puro havia,
Não falava de tristezas,
Nada nunca a afligia!

Tecia em volta de si
Pura seda de alegrias,
Fechava os olhos e ouvidos
Para o que fere os sentidos...

Costurava em sua fronha
Material para os sonhos
Que tecia pela noite;
Sempre belos e risonhos!

Não andava: flutuava,
Jamais pisava os espinhos
Que a vida, às vezes, plantava
Pelos áridos caminhos...

Mas um dia, sempre chega
Aquela nuance mais forte
Um tom de dor, uma perda
Perpetrada pela morte!

De negro tingiu-se-lhe a vida
O sorriso se apagou...
Da sua nuvem, caiu,
E de cinzas se banhou!

Os espinhos penetraram-lhe
A sola branca dos pés
Sangrando sua confiança
Diante daquele revés...

As nuvens passavam longe,
E com ela, não sonhavam...
No chão, chamava por elas,
Mas elas nem lhe acenavam!

Seus sonhos morreram todos
De medo e decepção
Ao saber que a dor atinge
Todo e cada coração...

Aprendeu a ser mais forte,
A sonhar com mais cuidado
E a olhar quem percorria
Os caminhos escarpados.



Parceiros

VERDADES

Alguns falam de doçura, Desconhecem O regurgitar das abelhas, O mel que se transforma dentro delas, Dentro das casas de cera. Falam do luxo ...