witch lady

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quarta-feira, 18 de julho de 2012

Nesse meu Tempo...




Nesse meu tempo por aqui
Aprendi muitas coisas,
Entre elas,
É que a lista das coisas que sei
É bem mais curta 
Do que a lista das coisas que não sei.

E que será sempre assim.

Valores Mineiros





Quase todo ano, meu marido e eu saímos em viagem por uma semana. Há alguns anos, decidimos que iríamos para Minas, conhecer a parte histórica. Não tínhamos nada planejado, a não ser o nosso quartel-general, que ficaria em Tiradentes, em uma pensãozinha barata que achamos na internet. Nome da pensão (acreditem ou não): Pensão Uélerson. Viajar com pouco dinheiro é assim... mas o café da manhã era muito bom, e o lugar, apesar de bem simples, era limpo. Claro, quando meu marido chegou no quarto e viu o carpete roxo, teve vontade de mudar de hotel; mas era época de Festival de Inverno, não havia vagas e tivemos que ficar lá mesmo.

Todos os dias, íamos a uma cidade diferente: Congonhas, Mariana, Ouro Preto, Ouro Branco, enfim, a maioria das cidades mais conhecidas da parte histórica de Minas. A que mais gostei, foi Ouro Preto. Lá, passamos duas noites. Passear por aquelas ladeiras é uma mágica experiência, principalmente à noite, quando a bruma desce. Tiramos tantas fotos! Fazia um frio de lascar, e aproveitamos para nos empanturrar de caldos, massas  e vinhos.

Uma das coisas que me impressionou, foi a hospitalidade do povo Mineiro. Éramos muito bem-tratados aonde quer que fôssemos. Um outro fato que aconteceu e deixou-me estupefata, foi quando ao final de uma tarde, em Tiradentes, bateu-nos uma vontade tremenda de tomar café com pão. Na padaria.

Achamos uma padaria pequenininha, sob um sobrado gracioso. Entramos, e não havia ninguém. Resolvemos esperar, e nada... a fome aumentando... reparamos que após vários minutos, ninguém aparecera, e comentamos: "Nossa... se alguém deixar uma loja sozinha por tanto tempo lá no Rio, ou até mesmo em Petrópolis, quando voltar, terá sido roubado!"

Finalmente, uma moça veio do sobradinho. Falamos com ela sobre nosso pensamento, e ela respondeu: "Ah, aqui não tem perigo não!"  E perguntou-nos há quanto tempo estávamos esperando. "Há meia hora, mais ou menos!", respondemos. E ela: "Quando for assim, pode entrar, pegar o café, passar a manteiga no pão e deixar o dinheiro no caixa!"

Era assim que as coisas funcionavam por lá.

E é assim que as coisas deveriam funcionar em qualquer lugar.

Acho que mais tarde, vou mudar para Minas.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Escolhendo Memórias







Texto escrito em janeiro de 2011, para meu sobrinho. Hoje lembrei-me muito dele...



No momento, vasculho no meio daquilo tudo que você foi e representou para mim. 


Lembro-me de que quando você nasceu, era apenas uma coisinha chorona enrolada em um cobertor, e tirou muitas noites de sono de sua mãe.  Conforme foi crescendo, tornou-se um menino às vezes um pouco nervoso, arredio, e de choro muito fácil. Tinha mania de morder os lábios inferiores, puxando-os para dentro da boca, e ficando parecido com um patinho. Às vezes a gente chegava perto de você, e só de te olhar, você já desandava a chorar... eu não gostava de tomar conta de você por causa disso. Já a sua irmã, era uma menininha tão quieta e dócil, que todo mundo adorava tê-la por perto.



Você tinha mania de gatinhar com o bumbum para cima, sem tocar o chão com os joelhos, como os bebês 'normais.' E conseguia fazê-lo a uma velocidade impressionante! Uma vez, quando você tinha uns dois anos de idade, estava concentrado nesse seu gatinhar atômico, enquanto o seu priminho menor, que estava aprendendo a andar, claudicava ali por perto. Você passava zunindo a poucos centímetros dele. Eu ralhei com você:  "Pára com isso, senão você vai acabar derrubando o bebê!"  Você olhou para mim com um olhar desafiador, e continuou. Segundos depois, você esbarrou no seu primo, derrubando-o, e ele bateu com a cabeça no fecho da porta, abrindo um pequeno rio de sangue que lhe escorreu pela testa.



Enquanto as pesoas socorriam o seu primo, eu, tomada por uma fúria cega, praticamente joguei-o sentado no sofá: "Eu não te avisei?" Você arregalou os olhos e chorou mais ainda do que seu primo!  Realmente, você era um moleque muito chato...



Você foi crescendo... lembro-me de muitos momentos tristes na história de sua vida, mas destes, eu quero esquecer-me. Ficarei com os mais alegres.



Você já foi meu aluno de Inglês. Curioso, dedicado... fazia aulas com sua prima, aos sábados de manhã. Eu adorava aquelas manhãs! Depois das aulas, a gente ia tomar o ônibus lá no Retiro, e fazíamos a caminhada de dez minutos conversando, enquanto vocês me falavam de seus planos e sonhos. Às vezes eu ficava meio-irritada quando você me interrompia a aula para fazer perguntas totalmente discrepantes, que nada tinham a ver com o assunto. Mas aquelas perguntas acabavam sempre enveredando por uma senda mais interessante do que aprender Inglês, e a conversa ia até o finalzinho da aula...



Você estudou feito um louco para conseguir entrar na Universidade Federal. Eu costumava ajudá-lo com as redações, escolhendo temas para você escrever sobre eles, e depois, corrigindo-os para você. E você conseguiu! passou, foi estudar Biologia em Campos. Foi a época mais feliz de sua vida!



Lá, você fez muitos amigos, que te acompanham até hoje, e que já deram inúmeras  provas da grande amizade que eles tem por você. No Natal, te escreveram um cartão tamanho-família, cheio de fotos e mensagens, assegurando-lhe de que estariam sempre com você. Te vi naquelas fotos, em vários momentos muito felizes de sua vida, e tive certeza de que todas as dificuldades que você passou para alcançar aquela alegria, valeram a pena.



Você sempre me disse que tudo na vida sempre foi muito difícil para você, e que cada conquista foi fruto de muito suor e superação. Mas olha, você conseguiu: Fez muitos amigos e conquistou o amor de uma louraça estonteante, e também, o respeito de todos nós; é motivo de orgulho para seus pais e sua família. Divertiu-se, subiu o Pico da Bandeira, estudou seus anfíbios, passeou, riu... acho que sua vida foi mais intensa do que a de muita gente que conheço.



Quando você descobriu a sentença que a vida tinha te reservado, todos nós nos juntamos à sua volta. Eu vi de perto cada momento, e a maneira corajosa e bem-humorada que você usou para enfrentar a todos eles. Muitas vezes, você me ligava chorando, e a gente conversava, e no final, acabávamos sempre rindo...



Lembro-me da penúltima vez que você veio me visitar com sua irmã. O dia estava lindo, e ficamos a tarde toda jogando conversa fora. Foi naquele dia que você me deixou aqueles DVDs do Foo Fighters, que eu confundi com CDs. Fui motivo de risos para você seus primos durante algum tempo!  Aquele dia foi totalmente leve e feliz... você deixou em meu computador, um vídeo seu que foi feito em Campos, quando você tocou bateria. Eu o assisto quase todos os dias. Você já estava carequinha, mas forte e cheio de vida.



Da última vez, você já estava diferente. Um pouco mais melancólico. Cansado e fraco. Depois do almoço, pediu para dormir no sofá da sala, e eu te cobri com uma manta. Você não sabe, mas naquele dia, eu fiquei te observando por muito tempo. Te desejando tudo de bom. E repetindo para mim mesma, que tudo ficaria bem.



Mas não ficou.



Quando a vida te deu a segunda martelada, lembro-me de você me ligando quase meia-noite, dizendo que ia para Goiás, visitar João de Deus em Abadiana. Partiu na manhã seguinte. Ele te mandou voltar outras vezes, mas não deu tempo. Quem sabe, Deus te concede mais algum tempo, para que você possa se recuperar o suficiente para voltar lá?



Graças a Deus, você não está consciente do que se passa. Vive em um mundinho só seu, e só Deus sabe quem está nele. Às vezes, ergue o braço e o estica para frente, tentando alcançar alguma coisa que só você vê. Ontem à noite, perguntei: "Você sabe quem eu sou?"  Você me olhou, e negando com a cabeça, a sobrancelha franzida, murmurou: "Hã-hã..."  Eu disse: "Sou a Tia Ana. Só vim aqui dizer que te amo." Você segurou minha mão. 



ADEUS, SETEMBRO! conto





Adeus, Setembro! - conto

















Era a última chuva de primavera, e ela tentava manter-se seca sob o guarda-chuva, enquanto esperava. Aquele local, que tinha sido palco de uma dolorosa despedida há um ano, fora também escolhido como o local de um promissor reencontro. Tratava-se de um parquinho infantil, desses com balanços, gangorra, muitas árvores, banquinhos onde as mães se sentavam para observar suas crianças brincando, vendedores de balões coloridos, carrocinhas de pipoca, algodão doce e música de realejo.

Mas hoje, ele estava vazio. Exceto pela presença dela, e das lembranças que desfilavam diante de seus olhos e se dissolviam nas poças d'água. A chuva caía seguindo sempre o mesmo rítmo, quase intensa, formando uma cortina entre ela e o restante da paisagem. Apesar do atraso, ela esperava.


Tinham um encontro marcado. O fato de terem se separado, há um ano, não significava o fim. Ele precisou partir por motivos além de sua vontade: fora convocado para trabalhar nas forças de paz do exército, em um país distante. No começo, trocavam cartas e e-mails apaixonados, mas cinco meses depois de sua partida, as cartas e e-mails cessaram sem aviso prévio. Dias depois, ela recebeu uma carta oficial, que dizia que ele tinha desaparecido.


Ela não se desesperou, como os outros. Sabia que ele não era homem de não cumprir as promessas que fazia. Ao despedir-se dela, jurou encontrá-la novamente naquele mesmo local, onde se separaram, e por isso, ela estava ali. Seu desejo de revê-lo era tão forte, que ela seria capaz de esperar por ele a vida toda. bastaria que houvesse um fio de esperança, apenas, bastaria que ele continuasse desaparecido. Ela esperaria. A vida toda.


Quando chegou setembro, ela pareceu encher-se de vida. Atravessar aquela primavera seria como viver a antecipação de reencontrá-lo, portanto, ela apreciou cada cor, cada flor, cada momento daquela estação. Alguns pensavam até que ela o tinha esquecido, devido a sua vivacidade. Mas ela - só ela - sabia que sua alegria era a certeza (não mais a esperança) que gritava dentro dela, que, ao final daquela estação, exatamente no último dia de primavera, ele voltaria, como tinha prometido. Dali em diante, todos os dias seriam dias de setembro.


Duas horas se passaram. A chuva foi diminuindo aos poucos, e as nuvens foram descortinando um céu alaranjado de final de tarde. Vapores começaram a subir das copas das árvores, e passarinhos cantavam, despedindo-se da primavera. Mas ela não foi embora; sentou-se em um dos bancos da pracinha, sentindo que o grito de certeza dentro dela aos poucos tornava-se um rouco murmúrio de esperança.


Foi quando ela viu surgir, do meio da névoa, uma figura masculina em um sobretudo escuro. Levantou-se, coração aos pulos, e prendeu o olhar naquela direção. Queria ter certeza. E teve: era ele! Aos poucos, ele se aproximava, parecendo mais flutuar em direção a ela do que caminhar. Ela quis correr em direção a ele, e surpresa, percebeu que seus pés estavam grudados no chão. Seria emoção?



Finalmente, ele parou diante dela. Ela podia ver a nuvem de vapor que emanava dos cabelos dele, e viu-se refletida dentro de suas pupilas. Mas quando tentou tocá-lo, não pode fazê-lo: era incapaz de erguer o braço, como se uma força a mantivesse imóvel.

 Ela ouviu - ou sentiu - o pensamento que vinha dele, em uma única palavra: "Continue." Aos poucos, ela compreendeu que ele não estava mais ali. Não fazia mais parte de seu mundo. Tinha vindo apenas cumprir uma promessa. Viu quando uma lágrima rolou no rosto dele, e sentiu que elas rolavam sobre seu rosto em profusão.


De repente, a imagem dele foi se afastando cada vez mais, até desaparecer pelo mesmo caminho de onde tinha surgido. Ela sentiu-se rodeada por um silêncio intenso, mas pouco a pouco, passou a ouvir novamente o canto dos pássaros e barulhos de carros na estrada próxima. A tarde já estava tingida por um intenso tom avermelhado, e olhando para o céu, ela avistou a primeira estrela.

 Suspirou fundo, tentando compreender o que ela tinha acabado de vivenciar. Depois, despediu-se de setembro.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Diferente







A gente tenta


Conter a emenda


Que aos poucos, abre,


E se arrebenta...


Manter a linha,


Não ter partidos,


Não se lembrar, 


Não ter contendas...






A gente tenta


Acreditar


Que o amor existe,


Nalgum lugar


Que deveria,


Mas lá não está...


Quem te amaria,


É quem te esquece,


Te ignora,


De ti, nem sabe...


E algumas horas,


Inventa histórias,


Conta bobagens,


Desata os laços


Sem cerimônias


Pois nada és


Que lhe importasse!






Só há mentiras,


Nunca houve nada


Que os unisse,


Somente mágoas,


Dores, ciúmes,


Invejas torpes,


E um desejo


De dominar,


De competir,


De superar,


E rebaixar!






A gente pensa,


E então, repensa


Que nada vale,


Que a distância


É a solução


Porque nem todos


Terão a sorte


De serem amados,


Serem queridos,


E respeitados


Dentro do seio


De onde brotaram.






E todo o amor


Oferecido


Morreu à míngua


Do ressentido,


Foi desprezado,


Ignorado,


Jogado fora,


E criticado...






A gente pensa


Que alguém, um dia,


Rirá contigo


Quando chegar


A tua vez


De se mostrar,


Vencer, brilhar...


E então, percebe


Que está sozinho,


Ninguém ficou,


Ninguém ligou,


Ou se importou...






Não houve abraços,


Ou parabéns,


Não houve passos,


Não há ninguém


Que te deseje


Um belo dia,


Ou que se agrade


Da alegria


A partilhar...






Não há lugar


Na vida deles


Pra tua vida,


Não há guarida,


Pois desde sempre


Tu foste a estranha,


A diferente,


Que não se encaixa,


Mas tu não vias


(Ou não querias),


O que estava


Te esperando


No fim do dia!






Nunca houve nada,


Tu foste apenas


Aquela que


Não se encaixava,


A diferente,


A que dizia


Coisas estranhas,


A que sentia


De forma estranha,


A que enxergava


O que ninguém


Queria ver...






A vida segue,


Não há espaços


Para lamentos,


Para teatros,


A gente tenta


Acreditar


Que há um motivo


Para isso tudo,


E até pensa


Justificar


Assumir erros


Que, desde sempre,


Não nos pertencem...






E sente culpa


Sem ter motivos,


E sente pena


De quem te odeia,


E fica achando


Que afinal,


Nós é que erramos,


Desenvolvemos


A tal da Síndrome


De Estocolmo


Pelo algoz...






Pobres de nós!


Não tem mais jeito,


Não há mais chance


Para o desfeito,


Não há mais volta


Para o que foi


Sem nunca ter


Sido, de fato,


E mesmo que


Um novo dia


Surja, do nada,


Por sobre tudo,


Haverá sempre


A noite escura


Por trás do sol,


A negra mancha


Que não sai mais,


Não tem mais jeito,


Não tem perdão!






Porque a gente


É diferente,


É esquisita,


É muito estranha,


E não se encaixa,


E não agrada


A gente é nada


Pra quem não ama


O que nós somos.

Generalizações






Tenho ainda muito o que aprender nessa vida, mas uma coisa eu já aprendi: não se devem fazer generalizações de qualquer espécie! O que é bom para uns, pode não ser bom para outros. Não existe receita para se viver, e se existe, ela é pessoal e intransferível. É claro, existem algumas coisas lógicas, que qualquer pessoa de bom senso poderá tomar para si como regras que facilitem o viver, mas jamais tentar impô-las aos outros.

A generalização diz que a minha verdade é a correta, e que todas as opiniões contrárias, estão equivocadas. A generalização gosta de citar pessoas famosas que as deem suporte. Gostam de ditar regras para se viver. Dizem, do alto de sua pretensão: "Se assim aconteceu comigo, assim acontecerá a todos!"

Generalizar é clamar: "Eu estou certa, pois tenho conhecimento sobre o assunto, estudei, fiz pós graduação e escrevi uma tese sobre isso, baseado em blá, blá, blá..." Mas o que o generalizador se esquece, é que cada experiência de vida é única! E mesmo que aquilo se dê com a maioria das pessoas, para TODAS as regras, existem exceções! 

Por trás das generalizações e verdades absolutas, escondem-se a arrogância e a pseudo-sabedoria. Fico com a minha ignorância assumida, baseada apenas naquilo que vivi até agora, conjuntamente com os exemplos sobre os quais li ou ouvir falar, mas todos eles, passados sob o crivo da minha própria experiência. E prefiro não sair por aí generalizando e me achando a dona da receita do iogurte.

A Coceira - Conto



Há alguns dias, ela vinha sendo incomodada por uma coceira intermitente nas suas partes baixas. Consultara o ginecologista, mas este, após vários exames minuciosos, nada encontrou de errado com a moça. Desesperada, ela consultou outros especialistas: dermatologistas, acupunturistas e até um Pai de Santo - que, por incrível que pareça, foi quem deu-lhe o melhor diagnóstico:

-Suncê tá sofrendo de tédio, zinfia.
-Tédio, eu?!
-Tédio, sim...
-Impossível! Eu tenho uma vida agitada, trabalho oito por horas por dia, vou à academia três vezes por semana, saio com as amigas duas noites após o expediente, faço pós, jazz, enfim... tenho uma vida agitada!

O Preto Velho, que ouvira seu relato pitando seu cachimbo cuidadosamente, apertou os olhinhos e observou:

-E cumé que tá seu casamento, zinfia?

Ela hesitou, antes de responder:

-Hã... bem...
-Eu num disse que suncê tá entediada?
-Mas... já estamos casados há seis anos, meu Pai. É natural... não é?

O Preto Velho, virando a cabeça para trás, solta uma gargalhada, respondendo:

-Depende... cumé que anda as noite docês?
-Bem, eu confesso que já não há mais a mesma paixão de antes. No sexo, eu quero dizer.
-Mas e nas outras coisas, fia?
-Que outras coisas?

O Preto velho dá uma longa baforada em seu cachimbo:

-Suncês não tem mais nada em comum? Suncês num conversa de noite? Não conta história? Num fala do dia? Num ri?
-Temos, um filho! Bem, é isso, temos um filho em comum.
-Num é disso que eu tô falando... que coisas suncês tem juntos? Se divertem? Tem amizade? Cumplicidade?

Ela não responde. Olha para as mãos. O Preto Velho diz:

-Essa coceira aí é por causa de que suncê só casou com a parte de baixo! E num existe fogo que queima pra sempre com a mesma intensidade, fia... tende a ir virando uma brasinha, e se não tiver lenha pra manter acesa, apaga de vez... e a lenha tá na ... na... cumé que ocês dizem, quando dois moram juntos...
-Convivência?
-Isso! Cunvivência! É na cunvivência que o casal vai buscar lenha pra manter o resto aceso... hehehehe...

A moça, corando um pouco (jamais imaginaria falar sobre um assunto daqueles com um Preto Velho), responde, torcendo as mãos no colo:

-Mas a minha analista me disse que o sexo é a parte mais importante do casamento, e eu fiz tudo direitinho: realizei todas as nossas fantasias, comprei uns equipamentos para apimentar a relação, me vesti de enfermeira, de empregada, e de estudante, de prostituta, entre outras coisas... mas mesmo assim, chegou uma hora em que aquelas artificialidades todas começaram a deixar de surtir efeito...

-Hehehehe... porque o que é erguido em cima de coisa artificial, é artificial, e acaba caindo com o tempo. Aliás, zinfia... hehehe... tudo acaba caindo com  o tempo... hehehehe... umas brincadeira de vez em quando é bom, mas se for só isso, num sobra muita coisa!

O Preto Velho serviu-se de um pouco de vinho em sua cuia de coco, e bebendo uma golada,  acrescentou:

-Zinfia...as parte de baixo é importante para se ter uma relação, mas num é tudo, não... tem as outras partes, que são essa daqui (ele coloca a palma da mão sobre o coração) e essa daqui (ele toca a própria cabeça). Se num tivé as três, não dura! E tem tumém a amizade. 

-Mas, Pai, e a minha analista?
-Ela é casada, fia?
-Divorciada! Duas vezes.
-Ela tem perna de calça, fia?
-Muitos... sabe, após tantos anos de análise, ela acabou me contando um pouco da vida dela.
-Ela num tem marido, então?
-Não!
-Ela faz muito sexo?
-Disse que sim!

O Preto Velho, oferecendo a cuia com vinho para a moça beber, solta uma gargalhada e diz:

-Hehehehehe... cada um fala do que sabe, fia! Ela fala dela mesma! E suncê, ao invés de ficar vivendo baseada no que os otro diz, no que os otro acha certo, no que os otro acha errado, devia se ocupar de construir uma vida procê. O mundo tá cheio de gente que acha que a própria vida pode servir de exemplo pros outros... hum-hum...

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