witch lady

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segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Conheço Esta Canção









A canção que você toca por aí, 
Eu já ouvi várias vezes...

Conheço esta canção,
Conheço as notas lentas
Que sobem, e que envolvem,
Encobrem a ilusão.

Um oboé tristonho,
Um solo de guitarra,
Teclados de um piano
Como degraus que ascendem
A um céu assaz insano!

Conheço esse balanço
Que começa bem lento,
E que depois,aumenta
E faz rodopiar.

Por isso, te perdoo.
-Porém, a minha voz
À tua estranha música
Não mais vai se juntar.

A canção que você toca por aí,
Eu já ouvi várias vezes...

Há ainda quem se engane,
Quem sorva na garganta
O som incandescente
Que faz arder o peito,
Que faz chorar os olhos,
Por qualquer cantador
Que finja que os ame!

Mas eu, não;
Conheço a tal canção,
Que canta esse unicórnio!
E só me faz sorrir
- Não de emoção - de escárnio!






Notícias do Meu Bonsai












Há alguns anos, meu marido foi presenteado com um bonsai – para quem não sabe o que é, trata-se de uma técnica japonesa que faz brotar árvores em pequenos vasos. Deixei-a sobre uma mesa na sala de estar, mas ela começou a ficar amarelada – não sei como cuidar de bonsais, e naquela época, sequer teria tempo para pesquisar sobre isso. Decidi colocá-la na varanda, onde achei que, estando exposta à luz natural, ela ficaria mais feliz, o que provou ser verdade. 

Dias mais tarde, um jardineiro que trabalhava para nós naquela época plantou-a em um canteiro atrás da casa. Só vi o que ele tinha feito quando ele já estava de saída, e me chamou, todo orgulhoso do canteiro que acabara de fazer. Ao ver o meu bonsai plantado no chão, tentei esconder minha decepção; afinal, não queria magoá-lo.

Um dia, ele foi embora, e outro jardineiro começou a trabalhar aqui. Àquela altura, o bonsai já tinha crescido alguns centímetros, e pedi a ele que o transferisse para um vaso maior, pois o canteiro em questão não tinha espaço para uma jabuticabeira – acho que me esqueci de mencionar que o bonsai era uma jabuticabeira, árvore frutífera que pode crescer muito. E lá ele permaneceu até o último sábado.

O vaso estava próximo à porta de entrada da casa, e todos os dias, ao passar por ele, eu via aquela árvore querendo ‘ser’, querendo crescer e transformar-se no que ela verdadeiramente nasceu para tornar-se: uma jabuticabeira alta e frondosa, os frutos colados aos galhos e tronco, alimentando centenas de passarinhos. Aquilo estava começando a me deixar angustiada, não sei bem porquê.  Ela parecia querer jogar-se para fora do vaso. Várias vezes tentei convencer meu marido a plantá-la no chão, mas o nosso terreno não é grande, e já temos nove árvores plantadas nele. Meu marido dizia: “Não, já temos árvores demais! Daqui a pouco não conseguimos chegar à porta da casa, e isso aqui vai virar uma floresta!”

Mas finalmente, na última sexta-feira, nosso amigo e atual jardineiro conseguiu convencer meu marido, e o ex-bonsai foi plantado no chão. Tive a impressão de que ele se libertou; os galhos se abriram mais, e a pequena árvore parecia sorrir. Desde então, uma cambaxirra tem pousado nos galhos todos os dias, talvez sonhando com o dia em que eles estejam cheios de frutinhas. Olhando para ela agora – apenas três dias após ser plantado – já percebi brotinhos rosados de novas folhas que estão nascendo. Acho que ela vai crescer rápido!

Observando o meu ex-bonsai, concluí que todo mundo precisa de espaço para ser o que é. Às vezes, somos colocados em vasos apertados, talvez até por pessoas bem-intencionadas que acham que sabem o que é melhor para nós. Nem percebemos o quanto nos tornamos atrofiados, meros objetos de decoração nas vidas de tais pessoas, que nos exibem com orgulho enquanto nos impedem de sermos quem somos. É preciso que nos plantemos no chão; não teremos mais o conforto de sermos regados e adubados; precisaremos aprofundar nossas raízes e colhermos, nós mesmos, o nosso alimento das profundezas da terra. Porém, tal esforço fará que cresçamos tudo o que temos para crescer, e nos tornemos seres férteis, livres e completos. 



P.S: Este bonsai já foi citado em uma outra crônica, "Adeus, Bonsai."





quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

OSCAR WILDE









OSCAR WILDE
 

 
Nascido em Dublin, Irlanda, em 16 de outubro de 1864 – falecido em Paris, França, em 30 de novembro de 1900.
 

Oscar Wilde é um de meus autores favoritos, não apenas devido ao teor imaginativo de suas histórias, mas também pelo seu espírito livre e avançado demais para sua época, sua franqueza, seu humor sardônico e senso crítico. Apesar de ter se casado e tido dois filhos, Wilde era homossexual não-assumido (assumir a homossexualidade na Inglaterra naqueles tempos significava prisão, pois a homossexualidade era considerada um crime). Ao ser denunciado pelo pai de seu jovem amante, porém, ele não viu outra saída senão assumir sua condição, sendo preso e banido da sociedade britânica.

Seus filhos e esposa deixaram a cidade, assumindo um novo sobrenome a fim de escapar à desonra.

Todos conhecem seu livro mais famoso, “O Retrato de Dorian Gray,” no qual ele fala de um personagem belíssimo, que a todos atraía na sociedade, mas que por dentro, era vil, mesquinho, egoísta, insensível  e ambicioso. Porém, toda a sua feiura verdadeira expressava-se em um quadro que ele mantinha escondido em seu quarto, cujo retrato envelhecia e tornava-se cada vez mais feio, enquanto Dorian Gray conservava sua beleza e juventude. Creio que Dorian Gray expressa muito da alma humana, que vive de aparências enquanto esconde seus verdadeiros sentimentos, interesses e pensamentos.

Li também a sua comovente fábula, “O Príncipe Feliz,” uma história para crianças com um fundo de moral, que fala da amizade entre um pássaro e a estátua de um príncipe, que postada no alto de uma cidade, começa a doar suas pedras preciosas e sua cobertura de ouro para ajudar os moradores da cidade. 



Em sua obra “A alma do Homem Sob o Socialismo,” Oscar Wilde afirmou que  "A maioria das pessoas estraga suas vidas com um altruísmo insalubre e exagerado - são forçadas a isso, de fato, e assim são estragadas": ao invés de perceber seus verdadeiros talentos, gastam seus tempo resolvendo problemas sociais causados pelo capitalismo, sem eliminar a causa comum deles. Assim, pessoas preocupadas "séria e muito sentimentalmente dão a si mesmas a tarefa de remediar os diabos que vêem na pobreza, mas seus remédios não curam a doença: eles meramente a prolongam". 

Declarava ser necessária a criação de uma sociedade que banisse a pobreza. Porém, ele mesmo jamais contribuiu para alguma causa social, e passou a vida preocupando-se mais consigo mesmo e satisfazendo os próprios desejos do que o contrário. 

Mas minha leitura favorita, é “De Profundis,”  que são cartas ressentidas que Oscar Wilde escreveu a seu amante, Lorde Alfred Douglas, durante os dois anos que passou fazendo trabalhos forçados na prisão de Reading por ser homossexual. 
Durante seu julgamento, após ser pressionado, Oscar Wilde admitiu sua homossexualidade e proferiu um discurso tocante:

“Esse amor é a grande afeição de um homem mais velho por um homem mais jovem, como aquela que houve entre Davi e Jônatas, o amor que Platão tornou a base de sua filosofia, o amor que se pode achar nos sonetos de Miguel Ângelo e Shakespeare. Tal amor é tão mal compreendido neste século que se admite descrevê-lo como o ‘amor que não ousa dizer seu nome’. Ele é bonito, é bom, é a mais nobre forma de afeição. Não há nada nele que seja antinatural. Ele é intelectual, e repetidamente tem existido entre um homem mais velho e um homem mais novo, quando o mais velho tem o intelecto e o mais jovem tem toda a alegria, a esperança e o encanto da vida à sua frente. O mundo não compreende que seja assim. Zomba dele e às vezes, por causa dele, coloca alguém no pelourinho.”

Enquanto esteve preso, Oscar Wilde experimentou a solidão e o abandono daqueles que diziam-se seus amigos. Não foi visitado sequer por seu ex-amante, que, segundo Oscar Wilde, levou-o à ruína financeira. Ao deixar a prisão, apenas seu amigo íntimo, Robert Ross, foi encontra-lo. Dali em diante, vivendo em ruína financeira, passou a viver em hotéis baratos, sofrendo de sífilis, meningite e alcoolismo, e finalmente recebendo o perdão da Igreja Católica em seu leito de morte. 
 
Fontes: Wikipedia
Revista Cult
 



ALGUMAS FRASES CÉLEBRES:


“Frequentemente tenho longas conversas comigo mesmo, e sou tão inteligente que algumas vezes não entendo uma palavra do que estou dizendo.” 


“Sou contra os noivados muito prolongados. Dão tempo às pessoas para se conhecerem melhor, o que não me parece aconselhável antes do casamento.” 


“Por detrás da alegria e do riso, pode haver uma natureza vulgar, dura e insensível. Mas por detrás do sofrimento, há sempre sofrimento. Ao contrário do prazer, a dor não usa máscara.” 


“Posso resistir a tudo, menos às tentações.” 


“Tenho gostos simples. Me satisfaço com o melhor.” 


“Nenhum grande artista vê as coisas como realmente são. Caso contrário, deixaria de ser um artista.” 


“A cada bela impressão que causamos, conquistamos um inimigo. Para ser popular é indispensável ser medíocre.” 


“Um cínico é um homem que sabe o preço de tudo, mas o valor de nada.” 


“Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe.” 


“É o que você lê quando não tem que fazê-lo que determinará o que você será quando não puder evitar.” 



“A experiência não tem valor ético algum, é simplesmente o nome que damos a nossos erros.” 



“O mundo é um palco, mas o elenco é mal escolhido” 





segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Anselm Grün e a Serenidade




Vamos ler sem preconceitos - afinal, é um livro que pode ser classificado sob o temido selo de auto-ajuda. Do livro "Deixe as Preocupações de Lado e Viva em Harmonia," por Anselm Grün, da abadia de Münsterschwarzach, Alemanha:

"As pessoas que esperam demais da vida encontram dificuldades em aceitar a própria vida. George Bernard Shaw encontrou um caminho para entrar em sintonia com a sua vida: 'Aprendi a não esperar demais da vida. Este é o segredo da verdadeira serenidade e o motivo pelo qual tenho surpresas agradáveis em vez de decepções tristes.' Como não cria ilusões e não deixa o êxito de sua vida depender de determinadas expectativas, ele permanece em sintonia consigo mesmo. Consegue ser sereno e relaxado interiormente, e grato pelas agradáveis surpresas que a vida sempre lhe prepara."


Zeca pagodinho disse algo parecido: "Deixa a vida me levar, vida, leva eu!"


Acho que sob a perspectiva de um olhar apressado, estes dois autores - Grün e Pagodinho - podem ser considerados conformistas ou conformados. Mas não é assim. É claro que devemos tentar sempre obter aquilo que desejamos da vida, e geralmente, estas coisas são bem comuns para todos nós: todos queremos ter uma casa própria, saúde, um bom trabalho, alegrias dentro da família, amigos verdadeiros, enfim, somos bem parecidos. Acho que o erro, que nos causa ansiedades desnecessárias, é quando colocamos nossos objetivos como CONDIÇÕES para sermos felizes. 

É certo que algumas coisas alcançaremos, e outras, não. Acho equivocada essa filosofia pseudo-holística moderninha que afirma: "Você pode tudo!" Não, não podemos tudo! Certas coisas estão e sempre estarão fora do nosso alcance. Alguns nascem para serem ricos, outros não; alguns desejam ser famosos, mas não têm o talento ou a sorte necessários para tal; Uns desejam ardentemente que determinada pessoa se apaixone por eles, quando isso nunca vai acontecer. Aprendi que existem mais coisas impossíveis do que possíveis nesta vida, mas quando realizamos algo através do nosso esforço, temos a sensação equivocada de que realizamos o impossível. Não; realizamos apenas o que é possível. 

Em "A Última Cantiga," um de seus mais belos poemas, Cecília Meireles escreveu:



'Ainda que sendo tarde e em vão,
perguntarei por que motivo
tudo quanto eu quis de mais vivo
tinha por cima escrito "Não".'


E ela estava absolutamente certa: a maioria das coisas que desejamos, têm um "não" escrito por cima. Eu penso que devemos ter sabedoria e serenidade para desejar as coisas que trazem um "sim" ou um "talvez" em suas essências. E elas são aquelas que nos enriquecem, e que utilizam os músculos da nossa vontade sem que os arrebentem. São as que nos trazem uma alegria simples e verdadeira, e não noites de angústia e sensações de impotência; as coisas possíveis têm sempre um sabor que desce macio pela garganta, elas não causam inveja ou frustração. Não perco o pouco tempo que me resta de vida correndo atrás de quimeras: tento aproveitá-lo com o que ele me traz e com o que posso obter.




Deixo aqui o poema de Cecília na íntegra:


A Última Cantiga

Num dia que não se advinha,
meus olhos assim estarão:
e há de dizer-se: "Era a expressão
que ela ultimamente tinha."

Sem que se mova a minha mão
nem se incline a minha cabeça
nem a minha boca estremeça
- toda serei recordação.

Meus pensamentos sem tristeza
de novo se debruçarão
entre o acabado coração
e o horizonte da língua presa.

Tu, que foste a minha paixão,
virás a mim, pelo meu gosto,
e de muito além do meu rosto
meus olhos te percorrerão.

Nem por distante ou distraído
escaparás à invocação
que, de amor e de mansidão,
te eleva o meu sonho perdido.

Mas não verás tua existência
nesse mundo sem sol nem chão,
por onde se derramarão
os mares da minha incoerência.

Ainda que sendo tarde e em vão,
perguntarei por que motivo
tudo quanto eu quis de mais vivo
tinha por cima escrito "Não".

E ondas seguidas de saudade,
sempre na tua direção,
caminharão, caminharão,
sem nenhuma finalidade.






Janelas & Portas





Toda casa tem janelas e portas. Elas servem para proteger, tanto da violência do mundo quanto das intempéries da natureza. Ao fecharmos as janelas e portas, ficamos - pelo menos, em tese - protegidos contra ladrões e invasores, olhares curiosos, excesso de raios de sol que destroem e desbotam, chuva que apodrece os madeiramentos, insetos que podem penetrar e causar danos, enfim, nos sentimos protegidos. Todo mundo, ao ausentar-se, tranca sua casa antes de sair. Se possível, instalamos sistemas de segurança, câmeras escondidas, ou ao menos, pedimos a um vizinho amigo ou a um membro da família que olhe pela nossa casa e/ou pelos nossos animais e plantas enquanto estivermos fora. Assim, guardamos a esperança de que tudo esteja da mesma forma que deixamos quando retornarmos. 

Da mesma forma, deveríamos proceder com as nossas vidas. Às vezes, por impossibilidade, falta de coragem ou desejo de agradar sempre, acabamos deixando que continuem em nossas vidas pessoas potencialmente nocivas, curiosas, maldosas ou interesseiras. É claro que não podemos excluir todo mundo que não seja perfeito ou que não corresponda aos nossos padrões, mas podemos, digamos, instalar algumas "câmeras escondidas" e monitorar o comportamento destas pessoas. E quando elas tocarem em uma maçaneta a fim de terem acesso a um cômodo no qual não estejam autorizadas a entrar, elas prontamente levarão um choque de advertência. Não é bom sair por aí se abrindo com todo mundo, ou ficar contando sobre nossos sonhos e projetos. 

Minha Tia Rosa costumava dizer, quando éramos crianças e ficávamos tentando tirar a colher de pau da mão dela quando ela batia um bolo: "Tirem a mão! A massa desanda quando o bolo é muito mexido." E ela tinha razão. A melhor maneira de vermos nossos planos irem por água abaixo, é sairmos por aí contando para todo mundo. A massa desanda.  Entra água ou areia onde não devia. 

Melhor fechar as portas e janelas de vez em quando e preservarmos a nossa casa, os nossos planos e a nossa intimidade.










quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Insinuações


É preciso ter equilíbrio...




Olhar de lado, deixar escapar uma frase ou comentário insinuante sobre o comportamento de alguém que está ou não presente, e que pode ser verdade ou não: a isto se chama insinuação. Insinuações são indiretas. É não dizer diretamente o que se pensa a respeito de alguém ou alguma coisa, muitas vezes, desejando despertar a desconfiança das outras pessoas em direção a alguém de quem não se gosta. Outras vezes, aquele que insinua não tem coragem de dizer na cara o que está pensando. Pode ser porque ele (a) não tem certeza do que está dizendo, ou então, porque é covarde mesmo.

Eu tenho um problema: não sou de insinuações. Se alguém disser algo que possa me ferir ou aborrecer, eu procuro a pessoa (se eu achar que esta pessoa vale a minha preocupação) e tento esclarecer o assunto de maneira direta, de forma que não fique nenhuma dúvida a respeito. Caso contrário, beijinho no ombro!

O problema da insinuação, é que ela muitas vezes está disfarçando a real intenção de quem a pronuncia: fazer fofoca. Criar calúnias ou dúvidas sobre o caráter de alguém. A notícia se espalha feito rastilho de pólvora, e daqui a pouco, o que começou como uma simples insinuação, torna-se uma afirmação da verdade - uma verdade que não existe, a não ser na cabeça de quem a criou. 

Insinuação, para mim, é coisa de cobra. Até o excesso de sons  "sss..." contidos nesta palavra, me faz lembrar o sibilar de um ofídio. As cobras se arrastam pelo chão, andam pelos cantos e atacam de surpresa.  E ao enterrarem suas presas na carne da vítima, fazem-no de modo que a picada seja fatal, se a vítima não for socorrida a tempo: mata misericordiosamente.

Mas quem insinua não quer matar rapidamente; quer fazê-lo bem devagar. Quer comer pelas beiradas, a fim de ter o prazer de ver sua vítima desfazer-se aos poucos entre suas presas. Quer saborear a sua fofoca azeda e desfrutar do prazer de ver todo mundo se voltando contra a sua vítima, que muitas vezes, nem percebeu nada. E caso perceba e vá tirar satisfações, o insinuador fará aquela cara de surpresa: "Eu??? Eu não disse isso, não foi sobre você, foi sobre uma coisa que me aconteceu."

Ao longo da minha vida, conheci muitas pessoas assim, que gostam de insinuar coisas. Por isso mesmo, diante da repulsa que elas me causam, aprendi a ser direta e firme nas minhas afirmações - e jamais insinuar coisas sobre as pessoas se eu não tiver certeza, e caso eu diga alguma coisa da qual eu não tenha certeza, sempre arremato com: "Eu não tenho certeza absoluta sobre o que estou falando, é só uma especulação. Posso estar errada." Mas quem insinua, o faz de maneira tão sutil, que deixa no ar apenas um fio de raciocínio para que os ouvintes sigam e acreditem no que quiserem. 

Pessoas trisssstessss......






segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Uma Noite de Pesadelo








Na última sexta-feira, fomos despertados com a campainha tocando à meia-noite. Ficamos muito assustados. Meu marido cautelosamente olhou pela janelinha do portão - ficamos com medo de abrir a porta, é claro - e ouvimos alguém gemendo muito. 

O que você faria em um momento desses? Voltaria para a cama e continuaria a dormir? Bem, eu acho que não!

Imediatamente, liguei para a emergência do SAMU. Expliquei a situação. Eles me fizeram várias perguntas, inclusive, quem era a pessoa em questão - até aquele momento ainda não tínhamos tido a coragem de abrir a porta - e informei que eu não sabia quem era. Ele me instruiu a ligar para a polícia, pois segundo o atendente, ele não colocaria sua equipe em situação de risco. Segui as instruções dele, mas o 190 não atendeu, mesmo após várias tentativas. 

Meu marido abriu o portão parcialmente, e viu que se tratava de uma vizinha nossa. Ela estava semi-inconsciente e completamente mole. Na testa havia um enorme "galo" que sangrava. Ela sofre de problemas nervosos e toma vários medicamentos para depressão e ansiedade, uma doença que é frequentemente tratada como "frescura" por pessoas ignorantes. Em outras ocasiões, quando ela apresentou quadro semelhante, algumas pessoas me disseram que ela exagerava, que não passava de teatro. Bem, quem sou eu para julgar? Não sou médica para fazer diagnósticos.

Diante do quadro que meu marido presenciou ao abrir o portão, liguei para os bombeiros novamente e expliquei a situação. Ele nos aconselhou a chamar alguém da família dela.  Meu marido subiu as escadarias da casa da mulher e fez contato com o filho dela, um rapaz entre dezesseis ou dezenove anos, que tentou acordá-la, mas não conseguiu. Chamei o corpo de bombeiros várias vezes, mas ninguém atendeu. Assim, voltei a chamar o SAMU, explicando a situação. Falei com um médico da emergência que me instruiu a fazer massagens no peito dela, pois desta forma, ela provavelmente acordaria. Não estou apta a prestar primeiros socorros, e não quis fazer o procedimento e piorar a situação, então passei as instruções dele para o filho dela, mas ele não conseguiu acordá-la. 

Daí foram várias ligações solicitando ambulância, algumas ligações atendidas, outras não. 

Em uma das vezes, voltei  a ligar para o SAMU pedindo  uma ambulância, mas eles alegaram que todas estavam em serviço no momento e me instruíram a ligar de novo para o Corpo de Bombeiros.

Pedi uma ambulância após explicar novamente do que se tratava, e o atendente me disse que a ambulância deles estava em atendimento e ia demorar cerca de meia hora ou mais, mas me garantiu que iriam. Após uma hora de espera, com a  mulher na mesma situação (conseguimos sentá-la em uma cadeira de jardim que levei para a calçada) ela acordou e conseguiu tomar alguns goles de água com açúcar, disse que estava sentindo dores no peito e na cabeça, e ficou inconsciente novamente. Liguei para o SAMU mais uma vez, e eles me disseram que iriam fazer contato com o sargento "X" do corpo de bombeiros e que ele ligaria para mim. Pensei que finalmente obteria algum tipo de ajuda, e suspirei aliviada, mas foi aí que o pesadelo piorou. Deu-se mais ou menos o seguinte diálogo:

- Alô, aqui fala o sargento "X" do Corpo de Bombeiros. Você é a Pâmela do Humberto Rovigati?

-Não, sou a Ana Bailune do Retiro.

 (Ele, começando a ironizar:)

-Sei... mas você me ligou ainda há pouco dizendo que era Pâmela do Humberto Rovigati.

-Não liguei não. Sou a Ana do Retiro.

(aos berros:)

-Você está querendo me deixar mal com o pessoal do SAMU? Sabia que eu posso mandar a polícia atrás de você?

-Se o senhor conseguir ligar para eles, pode mandar, pois eu já tentei e não consegui!

-Você me ligou dizendo que era Pâmela do Humberto Rovigati e agora me diz que é Ana do Retiro? Engraçadinha! Sabia que eu estou gravando esta ligação? 

-Eu também!(E eu realmente estava gravando).


-Ah, você também? Que gracinha!

-Escute, eu só quero assistência para uma pessoa! Não estou afirmando que alguém do Humberto Rovigati não te ligou, só estou dizendo que não fui eu! Meu nome é Ana Bailune (disse meu endereço) e eu sei onde eu moro!

Eu disse que tinha testemunhas por perto que poderiam comprovar o que eu estava dizendo. Daí ele começou a fazer um monte de perguntas - na voz, o mesmo tom de irritação,  ironia e escárnio, e pediu para falar com o filho da mulher. Disse a ele que a ambulância ia demorar. Perguntou a mesma coisa ao garoto várias vezes - eu sei, porque ouvi a gravação depois que ele desligou. 

Esperamos até às duas e e pouco da manhã, e a ambulância não veio. A mulher começou a acordar e conseguimos fazê-la levantar-se e voltar para casa apoiada no ombro do filho, sem atendimento. Lembrando que ela ficou naquela situação, podendo morrer, por mais de duas horas. Poderia estar tendo um ataque cardíaco ou um derrame. A concussão na cabeça poderia tê-la matado. 

Tentei contato com os bombeiros para cancelar o pedido da ambulância, mesmo sabendo que eles não tinham a menor intenção de enviá-la, mas ninguém atendeu a ligação. Daí liguei para o SAMU e fiz o cancelamento.

Fui para a cama me sentindo fraca, exposta, vulnerável e impotente. O homem que me ameaçou e gritou comigo ao telefone sabe onde moro, meu nome e endereço. Todo o estresse que eu acabara de sofrer veio à tona. Tive uma crise de choro de madrugada, e na manhã seguinte, me levantei péssima para trabalhar, pois mal consegui dormir. Eu precisava fazer alguma coisa.

Fui à página deles no Facebook e deixei um comentário, contando o ocorrido e pedindo que o caso fosse apurado. Eles excluíram o post na mesma hora e me bloquearam. 

Recorrer ao Ministério  Público? Que chances eu tenho, se vivo em um país como este, onde não existe justiça? A mulher em questão é apenas uma mulher, muito pobre, doente, quase cega. E eu, segundo as estatísticas, também não sou ninguém. Vivo em um mundo no qual a vida e a integridade das pessoas honestas, que pagam seus impostos, não vale merda nenhuma. Somos ignorados, destratados, ironizados e ameaçados por aqueles que deveriam nos proteger e zelar pelo nosso bem-estar - e são pagos para isso.

Isso me faz pensar: da próxima vez, eu acho que vou fingir que não escutei a campainha. Vou virar para o outro lado e tentar dormir, porque toda vez que eu tento ajudar alguém, é isso que acontece. Daí, com toda certeza, alguém vai querer me processar por omissão de socorro. 

 E é assim que começamos a perder a nossa humanidade. É assim que nos tornamos, cada vez mais, criaturas frias, egoístas, agressivas e sem educação- como o sargento "X". 




quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Não Creem em mim







Não creem em mim quando eu digo
Que eu a vi,
Bem ali, naquela nuvem
Que desliza entre as duas montanhas.

Eu te diria, se tu cresses,
Das noites em que ela me veio
De um outro mundo
Durante meu despertar.
Trazia nos olhos um brilho estranho,
Não sei se de felicidade
Ou de pena.
Nos lábios, um pálido rosado
De quem já ressuscitou.

Eu te diria, se tu cresses,
Dos lugares onde ela esteve,
Das histórias que me contou.
A sua pele era branca, sem marcas ou dobras,
Um semblante sem idade
Que trazia, em si, todo o tempo que já existiu.

O seu riso era tão fácil,
Mas as lágrimas, também...
Ela tinhas as mãos na cintura,
Usava um vestido leve
Todo enfeitado de flores.
Ah, eu te diria muito mais!
Mas... eu sei que tu duvidas.
Ela me falou, numa certa noite,
E o que ela disse está guardado
Em algum lugar da minha memória
Do qual eu me esqueci;
Mas as palavras estão todas lá, vivas,
E elas aguardam o tempo de serem ouvidas.

E quando eu me sento no jardim,
Cercada de verde por todos os lados,
Ela passa, de repente, e com pressa,
Sopra uma folha de árvore, que balança
(Embora não haja nenhum vento)
Só para me dizer que está ali.

E eu te diria, se tu cresses,
Que ela um dia caiu com a chuva
E, escorregando a mão sobre a minha vidraça
Escreveu as letras deste poema.





segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Contas









Eram contas de um colar pesado,
Sem brilho, um tanto funesto
Que alguém usava em volta do pescoço
Como uma forma de protesto.
Elas traziam o peso dos anos
Insanos marcos de um viver profano;
Com nó de forca denso e sufocante,
Feria a própria pele qual um tirano.


Pagava as contas que já havia pago,
Cobrando outras já prescrevidas, 
E um peso insano arrastava, assim,
Ao longo de toda a sua pobre vida.

As contas negras e acinzentadas
Ao fogo da injúria moldadas,
Não conferiam nenhuma beleza
A quem, com orgulho, as portava.

Enfeite tosco, de puro mau gosto,
Um arremedo de joia valiosa,
Imitação barata e sem valor
Arte jocosa, ao fogo destinada.





segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

ABORRECIMENTOS







Aborrecimentos

Nessa minha vida
Não há mais espaços
E nem sequer tempo
Para tormentos voluntários.

E os involuntários
Que também são
Contratempos,
Eu deixo de lado,
Levados pelo vento.

Um gesto de mão,
Um olhar de passagem,
E eu deixo para trás,
Seguindo viagem.

A mesma paisagem,
Sob olhares diferentes,
Pode ser o céu,
Ou pode ser o inferno.

Nem todos os verões,
Ou todos os invernos
Mudarão aquilo
Que o outro sente.

A mesma paisagem,
A pele que sangra,
Num mesmo colar,
Diversas miçangas.

A mesma viagem,
Mas as estações
E as disposições
Sempre divergentes.





domingo, 31 de dezembro de 2017




ELLE 

Diretor: Paul Verhoeven
Com: Isabelle Ruppert, Laurent Lafitte, Anne Consigny e outros.
Lançamento: 17/11/2016
Gênero: suspense
Sonny Pictures
Nacionalidade: Franco-alemã


Premiado com o César em 2016 nas categorias melhor filme e melhor atriz (Isabelle Ruppert)

Michèle Leblanc, brilhantemente interpretada por Isabelle Ruppert, é um caso a se pensar. E pensar muito! Ela é o tipo de pessoa que adoramos ver em um filme, mas que raramente suportaríamos ter em nosso círculo de amigos (ou de inimigos) na vida real.

Ela é um poço de controvérias: extremamente moralista em relação à mãe, mas dorme com o marido de sua melhor amiga e sócia; sofre um estupro dentro da própria casa, mas ao invés de reportar o caso à polícia, torna-se amante de seu estuprador; não quer mais saber do ex-marido, embora sejam amigos, mas morre de ciúmes de sua atual namorada. Michèlle Leblanc, cujo pai está na prisão há quase 30 anos por ter matado em uma só noite 27 pessoas, seis cachorros e dois gatos (mas estranhamente, poupando um hamster) traz na veia algumas gotas de maldade. Herança genética?

Apesar de estar classificado sob a categoria “suspense,” o filme Elle me fez rir muitas vezes. Porque o bizarro surpreende, distrai, enfim, o filme é uma viagem de mais de duas horas pela vida de uma personagem egocêntrica que tem certeza que o mundo gira em sua volta – e ele gira, na verdade. Ninguém pode prever qual será a atitude dela diante dos fatos que se desenrolam. Quando esperamos por uma determinada reação, ela dá a volta e faz  coisa totalmente diferente. Implacável diante das pessoas de quem ela não gosta, Michèle é capaz de humilhá-las da maneira mais sutil, de modo que só elas mesmas possam perceber, enquanto os demais estão distraídos e totalmente envolvidos pela sua personalidade forte, extremamente sexy e absorvente. Cenas que nos fazem gargalhar, mas apenas quando as presenciamos através de uma tela. Pessoas como Michèle, na vida real, são intoleráveis.

A cena da festa de natal vale ser vista mais de uma vez. O filme todo merece ser assistido mais de uma vez – e eu o fiz duas vezes, dois dias seguidos. Não é muito fácil rever, logo no dia seguinte, um filme que tem mais de duas horas de duração. Na verdade, isso nunca me aconteceu antes. Mas existe alguma coisa em Michèle que nos atrai e nos repudia com a mesma força. É possível adorá-la em uma cena e odiá-la cinco minutos depois. Quando o filme terminou, eu fiquei olhando para a tela, lendo os créditos, ainda tentando entender o que eu tinha acabado de assistir. A história é uma mistura de encantamento, indignação, surpresa, raiva, e muitas, muitas gargalhadas.

O final é impactante. Mais impactante ainda, é a postura de Michèle diante do que acontece. E é claro, no fim de cada história, ela sempre consegue afirmar seu fascínio sobre as outras pessoas, não importa o que ela faça. Embora não tenha estudado psicologia, pude sentir ali alguns traços de psicopatia, alternados e emaranhados a sentimentos de ternura bizarros – ou dissimulados?

Um filme imperdível, embora esta frase seja um clichè. 







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